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Gente conhecida

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Dias trás o jornalista Salomão Ésper falava, na Rádio bandeirantes, sobre seu tempo de rapazote em Santa Rita do Passa Quatro, sua terra natal. Destacava pessoas como o sapateiro que enchia a boca de tachinhas, o único comunista da cidade e muitas outras em cujo modo de ser havia algo de incomum.

Certa vez um amigo me disse que minha tendência a contar histórias particulares de pessoas com hábitos incomuns se devia ao meu nascimento e juventude em lugarejo no qual existiam personagens muito curiosos. Lembrava-me de que o mundo em que vivi para ele era de todo inacessível. Certamente por isso seus textos seriam mais cosmopolitas.

O Brasil pode ter crescido, mudado bastante nos últimos 50 anos. Entretanto, não creio que nas pequenas cidades as pessoas tenham perdido o jeito de ser incomum que a muitas delas caracteriza. O fato é que nas cidades maiores a pressa do cotidiano, a urgência criada pela necessidade de sobrevivência, o contato midiático com a realidade global e do país, tudo isso colabora para que se perca o olhar sobre o próximo, sobre aquele vizinho que ignoramos, mas têm lá as suas esquisitices.

A fala de Ésper ressuscitou em minha memória outro sapateiro que só atendia aos fregueses quando terminavam as tachinhas que tinha na boca e, então, podia falar, ou o seu Armando que todo dia aplicava uma injeção de veneno numa árvore que queria matar em seu quintal; no velho que era seguido por pássaros; no rapaz que, casado há pouco, fugiu com a mulher do circo a cujas prendas não resistiu; ao apaixonado que largou da linda moça que se casara por descobrir que ela não era virgem e permaneceu solteiro até a morte; ao Chico que andava pela rua perseguido por uma trupe de maus espíritos aos quais xingava o tempo tido; ao velho da telefônica que assinava o Correio da Manhã cujos exemplares recebia com atraso de vários dias; ao padre que exigiu do povo da roça um jipe sob pena de deixar a paróquia caso não fosse atendido; à japonesa que veio de longe para matar-se com inseticida sobre o túmulo dos pais; às tiras de Mutt e Jeff que o velho da telefônica recortava do Correio e me dava para ler; dos caminhões carregados com a carga perecível e parados porque chovia muito e não seria possível descer pela estrada de terra da serra; do policial temido que apareceu certo dia para tirar a limpo diferença que tinha com um local, devedor de mortes; da moça que se casou com quem não amava pelo medo de ficar solteirona; e por aí vai.

O interessante é que nessas comunidades as pessoas eram e são aceitas do jeito como são. Admite-se mais facilmente as diferenças, convive-se com a proximidade da loucura. Existe o perdão porque subtende-se que os seres humanos são imperfeitos e sujeitos às imposições de suas mentes e corpos.

Talvez por isso tanta gente já desaparecida continue viva na minha memória. Eram seres humanos, nada mais que isso, iguais aos outros tantos que encontro e tão bem disfarçam suas idiossincrasias.