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Depois da queda

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Estou nesse negócio de torcedor de futebol desde 1956. Não me lembro das Copas de 50 e 54 porque era bebê. Mas, em 56 a seleção brasileira excursionou pela Europa numa viagem desastrosa. Quando chegou à Inglaterra para jogar em Wembley foi recebida com a manchete nos jornais: “O circo chegou”. Perdemos o jogo para a seleção inglesa por 4 X 2. Eu era menino: não sofri. Mas, a paixão já começava a fustigar o meu coração.

Cresci ouvindo os meus parentes mais velhos falando sobre o desastre de 50. Alguns deles estiveram no Maracanã e assistiram ao jogo. Anos decorridos falavam sobre o segundo gol do Uruguai como se ocorrido na véspera.  Pátria e futebol estavam de tal modo plasmados na cabeça deles que não conseguiam distinguir a derrota da realidade nacional. O Brasil fora derrotado no Maracanã, deixando para o futuro a maior tragédia da nossa história.

Perdemos em 54 para a Hungria, mas nos vingamos em 58 na Copa da Suécia. Ouvi a transmissão da memorável conquista de 58 pelo rádio. Era inacreditável. De repente o fenômeno Pelé encantava a nós e ao mundo. Nascia ali o futebol vitorioso, maior aliado dos brasileiros a estimulá-los contra a dureza do dia-a-dia de um país terceiro-mundista e atrasado. Nossa única glória era mesmo o futebol vitorioso, fantástico, fenomenal.

Ganhamos outras Copas, choramos em 82 com a derrota da grande seleção comandada por Telê. Tornamo-nos os únicos pentacampeões mundiais, orgulho da raça. Como na letra do samba, “maior no futebol é o brasileiro”.

A trajetória gloriosa terminou ontem. Derrotados e humilhados em nossa própria casa pela seleção da Alemanha só nos restou enfiar a viola no saco e fingir-nos de mortos.  A casa que já vinha tremendo finalmente caiu de forma vexaminosa.

Os rapazes que perderam ontem por 7 X 1 da Alemanha talvez não tenham ideia da grandiosidade de sua derrota. Não perceberam, talvez, que craques do passado que já falecidos, certamente se viraram dentro de seus esquifes, revoltados. Não imaginaram que a derrota deles fez nascer enorme mancha sobre a gloriosa tradição do país no futebol. Não concluíram, talvez, que o que se jogava na semifinal de ontem era a maior parte do orgulho nacional.

Antes de ler nos jornais de hoje eu já tinha imaginado que ontem finalmente enterramos o fantasma de 50. O emblema da grande tragédia presenciada pelos nossos avós foi finalmente substituído por outro infelizmente maior e vergonhoso com o qual, queiramos ou não, teremos que conviver daqui pra frente.

Sonhei na madrugada com os gols alemães que não me saiam da cabeça. Ouvi o riso e as piadas de nossos tradicionais adversários que gozaram ao máximo o momento da nossa desgraça.

Levantei-me cedo hoje. Sai à rua sentindo-me desorientado. A ressaca da derrota é dolorosa e realmente pesa mais na manhã seguinte quando nos conscientizamos da dimensão do estrago irreversível.

Andando na calçada topei com uma televisão quebrada. Um vizinho me contou que, terminado o jogo de ontem, um homem saiu de sua casa com a televisão e quebrou-a, dizendo que naquele vídeo não veria mais nenhuma imagem.

Encontrei nas ruas um mundo quieto. Na padaria um alemão tomava café e ouvi duas vendedoras cochicharem que o melhor seria ele não fazer nenhuma gracinha porque a coisa poderia pegar.

Agora são quatro horas da tarde. Ainda me sinto atordoado.