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Culpa do vírus

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Agora todo dia é domingo. Você sai às ruas e encontra quase não encontra ninguém. Aquela senhora que passa depressa em direção à missa das sete da manhã, não a terão avisado de que todo dia é domingo e sempre haverá a missa das sete? Os poucos carros, o trânsito sem atropelos, afinal em que dimensão vivemos?

Culpa do vírus. Ele amordaçou as gentes. Espremeu-as nos seus cantos. Obrigou-as à impessoalidade das máscaras. A moça que vem na calçada, será ela bonita atrás do véu que cobre metade dos seu rosto? O encontro dos amantes está suspenso até segunda ordem. Não será possível, rapaz, conhecê-la, convidá-la para o que quer que seja, quem sabe para hoje mesmo à noite, num bar.

Culpa do vírus. Mesmo o mar se ressente. Lá está ele, com seu azul puríssimo, gastando inutilmente sua beleza. As ondas que chegam à areia entreolham-se espantadas: onde os pés que banham do alvorecer ao fim do dia? Os rapazes que se exercitam, as moças de biquini dourando seus corpos, a idosa que lê sentada na cadeirinha. Para onde foram todos?

Culpa do vírus. Culpa dos humanos que o deixaram se alastrar para todo canto do velho planeta. Culpa dos governos que se desentenderam com o perigo. Por isso todo dia agora é domingo. Por isso tudo segue fechado. Por isso a tristeza surda que emudece os homens. Por isso as crises de depressão que se avolumam, as crianças presas nas suas casas, a vida que corre o risco de ir, vagarosa e perigosamente, perdendo o sentido.

Culpa do vírus. Mas é domingo e daqui a poucos minutos o padre rezará a missa das sete para igreja vazia e o fantasma da apressada senhora que se perdeu nas vielas da cidade.