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Primavera

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Do que mais se fala? Da morte. Na mídia, articulistas abordam o assunto. Nas primeiras páginas notícias sobre mortes ganham destaque. Mas, que tipo de mortes? Afinal, do que mais se morre hoje em dia?

Morre-se de todo jeito, como sempre. Mas, o que ganha espaço no noticiário são as mortes devidas à violência. No Paraná um ex-marido vinga-se da mulher que não quis reatar com ele. Para isso sequestra o próprio filho e o leva numa viagem sem volta. Mete-se numa rodovia e joga o carro que dirige numa carreta. Pai e filho morrem. A promessa de morrer, levando consigo um pedaço da mulher, está cumprida. Resta a dor.

No Rio a tragédia envolve a menina Ágatha. Ela tem oito anos. É atingida por bala perdida. Levada ao hospital, não resiste. Em torno desse assassinato levanta-se a opinião. Protestos surgem de toda parte. A morte inaceitável gera, mais ainda, desconforto e medo às famílias. Hoje Ágatha, amanhã não poderá ser o meu filho?

Em meio ao sofrimento e discussões a primavera chega devagarinho às nossas casas. Veio mansinha, chegou ao alvorecer, sem ruído, quieta, sem estardalhaço. Abriu-se numa manhã chuvosa em que mesmo os pássaros talvez tenham decidido a se recolher.

Na rua em vão procurei por sinais da primavera. Onde as flores? Onde a alegria da nova estação que começa? Teria o mundo se congelado numa cena interminável de inverno?

Mas, eis que nem tudo está perdido. No sinal de trânsito, aí está a velhinha com um cesto de flores a oferecê-las aos sisudos motoristas. De repente, o milagre: flores na manhã cinzenta, trazidas por um anjo a nos lembrar que é primavera e a vida prossegue.

À hora do almoço imagens do enterro de Ágatha na TV. Flores sobre o pequeno caixão. Tributo a uma criança tão cedo levada pela morte. Muito triste.

E dizer que já é primavera.

Benvinda a primavera

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Há quem afirme que os que não gostam de flores não são boas pessoas. Há quem não viva sem flores, seja pelo perfume, seja pela beleza delas. Existem preferências por essa ou aquela flor, pela composição dos buquês etc. Quando menino morei em casa com quintal grande. Nele minha mãe tinha canteiros onde plantava legumes e verduras, outros só com flores. Mamãe era apaixonada por roseiras nas quais se deliciava fazendo enxertias. Outras preferências dela eram os copos-de-leite e os antúrios. Ela gostava de flores, mas não de arrancá-las, coisa que fazia apenas por ocasião de finados. Nesse dia separava seus copos-de-leite e rosas para levar aos túmulos dos parentes.

Minha tia, irmã de minha mãe, era uma mulher previdente. Em finados levava flores para os mortos da família e mais algumas que depositava em túmulos nos quais ninguém colocara flores ou velas. Explicava-se dizendo que fazia isso para o caso de não receber flores depois de morta: alguma boa alma se compadeceria de seu túmulo sem ornamentos e faria como ela: depositaria pelo menos uma flor ou acenderia uma vela por ela. Realizava, assim, uma espécie de investimento no futuro incerto, coisa do tipo corrente de solidariedade na qual os participantes cuidariam uns dos túmulos dos outros.

Mas, flores não só para a morte. Na maior parte do tempo estão associadas a momentos felizes. Na minha casa sempre há flores adornando os ambientes. De tal modo me acostumei a elas que sinto falta quando murcham e não há tempo para a reposição imediata. Admiro muito pessoas que tratam flores com carinho e se comovem com brotos nascentes, formas de vida que desabrocham como tantas outras, ainda que para viver por tão pouco tempo. A mão que passa levemente sobre pétalas sem tocá-las, como a delinear em gestos a geometria das flores, o amor que se revela através das pequenas coisas, tudo isso está implícito na paixão das pessoas pelas flores.

Assim, seja bem vinda a primavera que se abre nesta manhã de 23 de setembro. A garoa de ontem terá sido proposital, quem sabe enviada para regar plantas com suavidade e fazê-las despertar com alegria na estação que a elas pertence.

É primavera. Saúdo a nova estação que chega na manhã de sol. Sobre a mesa em que trabalho está um pequeno vaso com uma única flor. Agora pouco olhei para ela e pareceu-me que sorria. Fixei bem os olhos nela e de repente vieram memórias dos tempos da minha infância, revi os canteiros do quintal de minha casa e minha mãe debruçada sobre eles.

As flores são capazes de milagres inclusive o de permitir que, levados pelo perfume delas, nos transportemos no tempo.

Escrito por Ayrton Marcondes

23 setembro, 2011 às 11:31 am

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