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Cartas de amor

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Não via o Laerte há alguns anos. Bom sujeito. Trabalhamos na mesma empresa. Certa ocasião eis que apareceu o Laerte completamente transtornado. Não demorou a contar aos colegas de trabalho que a mulher resolvera deixá-lo. O impacto da notícia foi terrível para ele. O homem sempre alegre deixara lugar para um sujeito retraído, triste de uma tristeza até pegajosa.

O problema? Bem, o Laerte era louco pela mulher. Amava-a acima de todas as coisas. Uma deusa. Além do que, conforme suspeitara, havia na jogada um outro homem com quem ela confessara já ter saído. A mulher fora muito clara: apaixonara-se pelo outro e com ele, Laerte, nada mais existia. Os filhos? Ora, ela cuidaria, naturalmente recebendo a pensão.

A via crucis do Laerte não só foi longa como cheia de atos incomuns. Houve o dia em que o Laerte nos disse que aceitaria a mulher de volta, isso sem impor qualquer condição. Aceitaria até mesmo se ela continuasse saindo com o amante. Isso nos causou muita estranheza. Houve quem dissesse, baixa voz, que aquilo não seria atitude de macho. Do Laerte ouviu-se que tinha mesmo loucura pela mulher.

Temíamos que o sofrimento pudesse levar o Laerte a cometer alguma besteira. A hipótese de suicídio de modo algum poderia ser descartada. Nessa ocasião um de nós decidiu avisar pessoa da família do Laerte para que redobrassem vigilância sobre ele.

Do grande sofrimento desse homem abandonado restaram lembranças das longas cartas de amor que ele enviava à mulher, sempre se declarando um grande apaixonado. Consta que ela jamais se deu ao trabalho de respondê-las. Mas, ele continuou a escrevê-las até que um dia, mais conformado, seguiu adiante na vida.

Paramos para um café. O Laerte me pareceu bem. A certa altura não resisti a curiosidade. Haviam se passado mais de quinze anos desde o episódio da separação dele e não resisti a tentação de perguntar como teriam ficado as coisas. Ele sorriu. Contou-me que ela ficara com o tal sujeito por um bom tempo, depois substituíra-o por outro. Aliás, mudara de parceiros com alguma frequência. Sabia disso pelo contato com os filhos. Nunca mais a vira.

E as cartas - perguntei.

Tenho cópias delas guardadas - respondeu.

Perguntei ao Laerte se hoje em dia se comportaria do mesmo jeito de antes. Ele me olhou com o semblante fechado e respondeu: faria tudo, tudinho. Eu a amava.

E as cartas, escreveria?

Ah, escreveria as mesmas. Podem ser ridículas, mas, como disse o poeta, “cartas de amor são ridículas, mas ridículo mesmo é quem não escreveu cartas de amor”.

Cartas de amor

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Quando rapaz escrevi algumas cartas de amor. Para o bem ou para o mal a maioria delas não eram endereçadas por mim a alguém por quem estava interessado. Acontece que meu pai tinha um pequeno negócio em cidadezinha do interior. Negócio pequeno, mesmo, que era tocado por ele, meu pai, e um único funcionário. Esse funcionário nem sempre era o mesmo: o sujeito trabalhava durante algum tempo, parava e logo outro o substituía na mesma função.

Pois houve época em que o funcionário de meu pai foi certo João, sujeito boníssimo e ainda rapaz, oriundo de cidade do sul de Minas Gerais. Certo dia esse João me confessou sua paixão por uma moça de sua terra natal com a qual queria se corresponder por carta. Acontece que o João não sabia escrever, daí a conversa ter evoluído para o pedido dele de que eu escrevesse uma carta para a moça a quem ele amava. Com o que imediatamente - e inconsequentemente - concordei. Escrevi uma carta melosa que o João postou no correio local em envelope endereçado com a minha letra.

A essa altura é preciso dizer que fiz isso sem pensar no assunto. Entretanto ocorreu que, pouco tempo depois, chegava a resposta à carta do João. Ao que houve a necessidade de respondê-la. Para encurtar a história a partir daí estabeleceu-se um ritmo de idas e vindas de cartas com intervalos de cerca de quinze dias. O problema é que o conteúdo das cartas foi se tornando cada vez mais comprometedor. O João se ria disso na matutice dele, achando a coisa toda muito engraçada.

Pois tudo seguiu bem até que, certo dia, recebemos uma carta que tinha no envelope letra diferente da qual estávamos habituados. Curiosos eu e o João rasgamos o envelope e qual não foi a nossa surpresa ao constatar que se tratava de carta enviada pelo pai da moça. Em resumo dizia-se ele de acordo com o casamento de sua filha com um rapaz que por ela tanto amor manifestava através de insistentes declarações feitas por meio de cartas. Enfim, tratava-se do consentimento paterno ao noivado e posterior matrimônio.

A carta do pai deixou o João muito preocupado. Durante algum tempo ele esteve macambúzio até que, certo dia, pediu demissão do emprego e retornou à sua terra. Não sei contar o fim da história, dizer se o João se casou com a amada, embora me pareça que esse teria sido o encaminhamento natural dos fatos.

Não sei se você já escreveu alguma carta de amor. Caso tenha escrito - e ainda a tenha - experimente ler porque terá em mãos parte daquilo que você fez no passado.  Pode até ser que você estranhe muito o texto e, dependendo de para quem tenha sido endereçada a carta, não se sinta lá muito bem com o sujeito que você era na época em que escreveu. De todo modo, não se envergonhe: o poeta Carlos Drummond de Andrade é autor de um texto no qual afirma que cartas de amor são ridículas, mas conclui que ridículo mesmo é quem nunca escreveu cartas de amor.

Mas, cartas de amor continuam a ser escritas, às vezes com consequências desagradáveis. Imagine você que na Paraíba uma mulher escreveu carta de amor a um homem na qual revelou até algumas intimidades da relação havida entre eles. A intenção da moça era colocar fim nos encontros entre ambos dado que ela não se mostrava disposta a aceitar que o homem mantivesse relações com outra mulher - pessoa muito próxima da autora da carta.

E dai? - perguntará você. Daí que a mulher que escreveu a carta é funcionária pública e o texto dela acabou sendo publicado, por engano, no Diário Oficial da Justiça do Trabalho do Estado da Paraíba. Imagine-se o tamanho escândalo que obrigou a servidora, escriba da carta, a pedir exoneração do cargo de confiança que até então ocupava.

Que cartas de amor sejam ridículas vá lá. Agora, um engano desse porte…  No momento a coisa está no seguinte pé: o presidente do TRT da Paraíba determinou a abertura de um processo administrativo para apurar como o texto foi parar na página da internet da Justiça.

É meu amigo, coisas do amor.