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Até no Nobel?

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No ano que corre o Prêmio Nobel de Literatura não será concedido a ninguém. Acontece que a instituição Nobel passa por crise com divisões entre seus membros. A razão? O fotógrafo francês, Jean-Claude Arnault, que dirige um projeto da Academia Sueca, foi acusado de ataques sexuais a mulheres integrantes e mulheres de integrantes da mesma academia. Algumas delas relatam ter sido atacadas dentro da própria academia. A mulher do fotógrafo também é integrante da academia e seus pares votaram pela expulsão dela. Entretanto, nem todos concordaram com isso fato que ocasionou divisão entre os membros que decidem o Nobel de Literatura. Daí a supressão do prêmio neste ano.

Eis aí uma notícia que nos estarrece pois envolve uma instituição que consideramos acima de qualquer suspeita. O prêmio foi inventado por Alfred Nobel em 1885. De lá para cá, ano após ano, exceto durante as guerras, pessoas proeminentes de algumas áreas têm sido contempladas com o prêmio. A dignidade do Nobel é incontestável, embora existam premiações nas quais as escolhas nem sempre coincidam com a opinião geral. Casos como o do escritor argentino Jorge Luis Borges nunca agraciado com o prêmio são considerados omissões imperdoáveis.

Em casa de meu pai havia um livro do escritor francês Anatole France cujo título é “A Ilha dos Pinguins”. Ainda muito jovem li a obra de Anatole France da qual me recordo a passagem na qual um dos personagens pergunta ao filho, ainda não nascido, se quer nascer. Para estranheza do pai o filho responde que de modo algum quer vir ao mundo. Ele se xplica: seria infeliz dada a herança recebida justamente de seu pai cujos defeitos menciona.

Naquela época nem sonhávamos com a possibilidade de um Google para consultar dúvidas. De modo que perguntei sobre Anatole France, se era bom escritor etc. A resposta que obtive foi a de que France recebera o Nobel de Literatura, o que não era pouco. Foi essa a primeira vez que senti o peso do prêmio concedido em Estocolmo. Daí a natural curiosidade sobre os ganhadores de cada ano.

Anatole France (1844-1924) foi agraciado com o Nobel de Literatura em 1921. Entre seus livros estão “O crime de Silvestre Bonnard” e “A Rebelião dos Anjos”.

As pontas do fio

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“Todo fio tem duas pontas. A sabedoria nesta constatação óbvia está em ligá-las pois só assim teremos noção mais próxima da trajetória percorrida. A própria vida não passa de uma sequência que começa na ponta de um fio e termina na outra. Para entender um ser humano é preciso percorrer o fio da vida, do início ao fim”.

Essa a visão da vida na opinião do Otoniel, sujeito lido que detestava o próprio nome. Falava da fatalidade de não se ter a possibilidade de discutir com o pai, no momento zero da vida, as condições de início da trajetória no fio. Fosse possível teria chamado o pai à razão e, certamente, advogado outro nome. Otoniel citava o escritor Anatole France que, em 1908, publicou o livro “A Ilha dos Pinguins”. Viviam os pinguins em paz quando receberam a visita de um padre que os batizou. O batismo das aves não foi bem visto no céu. Instalou-se entre os santos a discussão sobre a validade de se batizar aves. A questão foi decidida pelo Senhor que converteu os pinguins em homens. A partir daí iniciou-se a civilização pinguínea nos moldes das humanas, com surgimento de hábitos humanos, paixões, crises etc. Prezava Otoniel no livro de France a ocasião do nascimento de uma criança. Na hora do parto indaga-se àquele que vai nascer se quer ou não vir ao mundo. A resposta do feto inclui explicações sobre características negativas das personalidades dos pais que por ele seriam herdadas. Assim o feto pode recusar-se a nascer.

Para Otoniel a ficção do escritor francês seria de grande valia caso se tornasse realidade no mundo em que vivemos. Se tivéssemos a oportunidade de decidir se viveríamos ou não muitas desgraças seriam evitadas. Para que percorrer toda a trama de uma longa vida, trazendo do berço uma constituição física e mental fadada ao fracasso?

Ontem encontrei-me com o filho de um amigo.  Eu o conheci quando tinha menos de dez anos de idade. Agora homem na faixa dos quarenta, vinha ele acompanhado de um filho. Eu o reconheci dada a semelhança com a figura do pai, hoje falecido.  Conversamos rapidamente e, ao me despedir, lembrei-me da filosofia do Otoniel que resumia o percurso da vida aos acontecidos entre as duas pontas de um fio. Pareceu-me estranho ter presenciado momentos iniciais da vida do homem a quem encontrei e, agora, a fase distante daquela. Mas, o que teria acontecido a ele ao longo desses anos, enquanto seguia a rota estabelecida pelo fio de sua vida?

Para Otoniel, aquele que detestava o próprio nome, o fio da vida não foi longo. Mas, deixou-me essa interpretação um tanto esdruxula da existência, da qual nunca me livrei por completo.

De fato, não há dia em que, ao abrir a janela do quarto e dar com as novas manhãs, eu não pense no fio de minha vida e a proximidade de seu ponto final. A extremidade do fio que marca o fim da minha vida a cada dia parece se aproximar mais velozmente.

Escrito por Ayrton Marcondes

7 fevereiro, 2018 às 2:17 pm

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