Fevereiro at Blog Ayrton Marcondes

Fevereiro

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E fevereiro caminha. O procurado ex-diretor do Banco do
Brasil, Pizzolato, foi preso na Itália onde entrou com documentos falsos. A tia
dele disse que o sobrinho sujou o nome da família. Ela tinha visitas em casa
quando ouviu pela TV a notícia da prisão do sobrinho. Diz que grande foi o seu
constrangimento.

Imagino. As famílias costumam desconversar quando alguma de
suas ovelhas deserta do bando, descarrilhando. Minha mãe tinha um sobrinho que andou
perdido na safadeza e depois se regenerou. Não se tocava no nome dele. Parece
que se alguém do seu sangue se mete em encrenca isso contamina os outros parentes.
Não é assim que pensam as pessoas?

Um tio teve na infância sério problema na perna. Ainda jovem
quebrou-a e nada foi feito pela fratura. Moravam numa fazenda distante e os
tempos eram bem outros.  Naqueles anos
1920 o mundo não dispunha dos recursos hoje possíveis - não escrevi “disponíveis”
de propósito.

O resultado foi que meu tio foi obrigado a arrastar a perna
vida afora. Pois aconteceu de minha tia - irmã dele – visitar uma amiga e ouvir
dela pergunta sobre o irmão “aleijadinho”. A visita não terminou bem porque
minha tia não admitia que o irmão fosse tratado daquele jeito. Explicou que o
irmão não nascera aleijado e o problema de sua perna resultara de acidente.
Depois foi embora, esbravejando.

A lembrança desse meu tio é sempre muito doce. Era um homem
pequeno e cordato. Lembro-me de seu temperamento afável e o modo gentil com que
sempre me acolhia. De poucas posses sempre dava um jeito de me arranjar uma
moeda para um doce. Viveu assim, na sua exitosa simplicidade. Infelizmente foi
colhido por um câncer que muito o fez sofrer até a morte. Nos últimos dias dava
pena vê-lo no leito, gemendo e acossado por terríveis sofrimentos. A certa
altura de nada adiantavam as doses de morfina que um farmacêutico vinha aplicar-lhe.

Meu tio morreu numa tarde quente como essas deste fevereiro.
Não me lembro em que mês ele se foi, mas bem que pode ter sido em fevereiro.
Não fui ao cemitério, era menino demais para acompanhar enterros. Mas ficou-me
a imagem dele, o homem sempre de terno e com a perna afrontada, caminhado
devagar, sempre com um sorriso nos lábios.

É, acho que só poderia mesmo ter sido em fevereiro.

Escrito por Ayrton Marcondes

6 fevereiro, 2014 às 4:09 pm

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