2012 outubro at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para outubro, 2012

Imagens do passado

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A literatura é rica em narrativas nas quais pessoas já mortas manifestam-se aos vivos. Religiões cujas doutrinas admitem a continuidade da vida após a morte e até mesmo a possibilidade de reencarnação postulam a vida como apenas um estágio de purificação da alma, espécie de provação terrena que contribui para o aprimoramento espiritual.

Questões como a existência de um mundo sobrenatural para onde os espíritos são conduzidos após a vida terrena infelizmente esbarram na falta de provas concretas embora os muitos casos citados de contato com os mortos. Em todo caso não deixa de ser estranho o fato de que a nossa existência realmente se resuma a essas poucas décadas de vida. De repente o fogo se apaga e a pessoa deixa de existir, dela restando apenas memórias dos que as conheceram ou realizações pessoais marcantes que deixaram.

Mas, para onde vai tudo que pensamos e fizemos? Terá sido a vida nada mais que uma ilusão que levamos a sério, ignorando o fim previsto e irreversível? Essas coisas que nos atormentam, os compromissos, as responsabilidades que assumimos, a importância que nos devotamos, o bem e o mal que fazemos, afinal para que tudo isso se no fim das  contas o que  nos resta é a banalidade do fim imposto pela morte e o  esquecimento?

Tempos atrás visitei o Cemitério da Consolação, em São Paulo, reparando que ali se encontram as tumbas de gerações de homens importantes na época em que viveram. Aqui o Conde Matarazzo, mais a frente o ex-presidente Campos Salles, o ex-presidente Washington Luís, a Marquesa de Santos, Oswald de Andrade e tantos outros. Gente que fez história e cujas vidas ainda hoje chamam a atenção pelo que fizeram. Todos desaparecidos, para sempre desaparecidos!

A imagem tão repetida de que as pessoas só morrem completamente quando se apagam todas as memórias sobre elas, entretanto fascina. Conheci pessoas que nenhum legado deixaram e morreram já esquecidas. Mas, eu me lembro delas, perfeitamente, e sou capaz de dar-lhes vida em minha memória. Aquele Antonho a quem chamavam “Maneta” porque perdera os dedos da mão direita é um dos que habitam a minha memória. Bebia um tanto e a mulher, a brava Vitalina, vinha buscá-lo e o arrastava até a casinha onde moravam. Bêbado ele não ia pacificamente: esperneava, gritava palavrões, xingava a terra e os céus. Mas a Vitalina sempre lograva prendê-lo em casa e, na manhã seguinte, lá estava ele com o seu cigarro, andando na rua como se nada tivesse acontecido. A Vitalina era baixinha, mulher simples e de fibra, assim sempre me lembro dela com seus olhos claros brilhando dentro de uma face que nunca foi bonita.

A Vitalina e o Maneta eram pessoas pobres e muito simples das quais nunca me esqueço. Quando a minha memória se apagar certamente serão raras as pessoas que se lembrarão deles. Talvez só depois que ninguém guardar memória dessas pessoas elas realmente deixem de existir.

O Dia do Idoso

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Ontem, 01/10, foi comemorado o “Dia Internacional do Idoso”. Comemorado talvez seja palavra inadequada porque, que se saiba, não se realizaram festas ou homenagens a idosos no país.

Para muita gente parece existir alguma dificuldade em aceitar-se como idoso. A migração para esse contingente de pessoas tantas vezes consideradas inúteis porque já não produzem não se faz sem luta. Mas, afinal, a partir de que momento da vida uma pessoa passa a ser considerada idosa? A idade de 60 anos tem sido tomada como divisor de águas entre a vida adulta e a velhice. Ontem mesmo divulgou-se que a cidade gaúcha de Coqueiro Baixo, situada a 161 km de Porto Alegre, é a mais velha do país isso porque no município mais de 30% das pessoas têm 60 anos ou mais.

O fato é que com os novos recursos da medicina e a melhora da qualidade de vida a população de idosos no país está crescendo. Entretanto, os cuidados com os idosos nem de longe acompanham a velocidade de crescimento de seu número. Na verdade o que se pode facilmente observar é que, no geral, inexistem não só cuidados como paciência com idosos talvez por falta de educação para isso. Basta uma viagem de metrô para que se observe o descaso em relação aos idosos: pessoas de mais idade viajam em pé enquanto os assentos reservados a elas estão ocupados por pessoas mais jovens que nem estão aí para a situação.

O envelhecimento pode ser visto pelo ângulo do próprio idoso e pelo juízo que outras pessoas fazem dele. O ponto de vista da maioria das pessoas que ultrapassaram os 60 anos de idade nem sempre é benigno consigo mesmo. As perdas progressivas de força, mobilidade e o fato de cada vez mais se tornarem dependentes funciona como desafio para a adaptação num mundo do qual o idoso parece não fazer parte. Todo mundo tem ou teve na família alguma pessoa inconformada com a velhice e sabe bem das dificuldades de convívio com ela. Por outro lado, visto de fora, o idoso muitas vezes figura um peso a se levar e isso o constrange. Pessoas muito ativas no passado de repente são aposentadas, podem tornar-se fisicamente dependentes e essa situação gera problemas para si e para os outros.

O que deve sempre ser lembrado é que os jovens de hoje serão os idosos de amanhã daí a importância do dar hoje para mais tarde vir a receber. Não se trata de uma simples troca, mas de prática de humanidade.

Mas, nem tudo é problemático: um respeitável contingente de idosos vive muito bem, mantém-se ativo e utiliza com sabedoria a experiência adquirida.  Essas pessoas entendem o fim da vida como período a ser desfrutado da melhor maneira possível e são felizes.  Resta estender cada vez mais esse bem viver aos idosos em geral, cuidando para que mesmo pessoas de baixa renda possam ter uma velhice respeitável e digna.

Eric Hobsbawm

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O fim da ditadura no Brasil aconteceu em 1985 e muitas aves discordantes viram a oportunidade de tornar a voar com suas tendências esquerdistas/comunistas agora aparentes. Não eram voos longos, nem desabridos: a força da repressão ainda pairava no ar e os tementes dela não se davam ao luxo de se expor em tempos de uma nova democracia ainda claudicante. O retorno à democracia e livre opinião, consolidado com a eleição indireta de Tancredo Neves, teve na morte do novo presidente da República abalo a custo superado pela posse do vice-presidente José Sarney.

Antes disso, ainda no segundo semestre de 1984, acompanhei um amigo em algumas reuniões de pessoas de esquerda dispostas a discutir os rumos do Brasil. Não sou capaz de me lembrar dos nomes dos que então se reuniam, sendo que entre eles figuravam conhecidos refratários ao regime que ora findava. Para ser franco na época eu, como tantos brasileiros, acomodara-me à ideia de que contra a força não há resistência e duvidava de que a ditadura realmente fosse terminar embora os muito aparentes estertores do regime militar fossem palpáveis.

Daquelas reuniões ficou-me a obra de Eric Hobsbawn a qual comecei a ler após observar que muito do que então se falava vinculava-se ao pensamento do historiador.  Foi assim que li “A Era das Revoluções”, “A Era do Capital” e “A Era dos Impérios”. Em relação a esses livros e aos que Hosbsbawm publicou posteriormente pode-se dizer que devo a ele boa parte das convicções que tenho sobre o mundo em que tenho vivido. Creio que essa afirmação possa ser estendida a um grande contingente de estudiosos, mesmo aos que discordam de Hobsbawm dada a linha marxista de seu pensamento. Para Hobsbawm ainda hoje Marx continua a ser a chave para o entendimento do capitalismo.

Eric Hobsbawm, historiador marxista, morreu hoje aso 95 anos de idade e deixa enorme vazio. Seus livros escritos não só para especialistas, mas em linguagem acessível ao público em geral o tornaram conhecido em todo o mundo. Isso não representa que sua obra careça de rigor e tenha sido escrita sem vínculos com a pesquisa. Em “Tempos Interessantes” Hobsbawm escreveu ter sido “um antiespecialista em um mundo de especialistas, um intelectual cujas convicções políticas e obra acadêmica foram dedicadas aos não-intelectuais”.

A obra que Hobsbawm deixa consiste numa grande aula  sobre a história contemporânea  dado ter sido ele um incansável observador e crítico de tudo aquilo que presenciou  durante o período em que viveu.