2012 julho at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para julho, 2012

Madrugada de barulho

escreva o seu comentário

Não foi fácil dormir durante a madrugada deste 05 de julho. Terminado o jogo do Corinthians contra o Boca, anunciada a vitória corintiana, um grito profundo, abafado há décadas nas gargantas, ecoou ininterruptamente. Comemorou-se madrugada adentro e com estardalhaço. Fui várias vezes acordado pelos ruídos provocados por entusiastas torcedores. Ora gritavam, ora aceleravam os motores de carros e motos, ora passavam pela minha rua com o som do carro nas alturas tocando o hino de seu time. Alegraram-se, embebedaram-se, comemoram até o amanhecer que muitos viram com olhos vermelhos da noite não dormida.

Levantei-me pensando que o mundo pode mudar, mas não o homem. Ele foi, é e será o mesmo em todas as épocas, preso às suas emoções, pronto a extravasar o que vai pela sua alma e nutre no peito. Imagino que essa alegria toda seja a mesma que se viu nas competições gregas, em Roma, em todas as épocas. Enfim, trata-se do homem que deixa de lado o seu verniz e se apresenta em essência, esquecido de si, irmanado numa comemoração que envolve alegria comum.

Suponho que hoje muita gente tenha faltado ao trabalho. Dia de ressaca, de depois, da lenta volta à rotina, do acordar de um sonho enfim realizado. E deu satisfação ver aquela gente toda tão feliz e contente que saiu às ruas como se libertada de peso que a oprimia.

Felicitações aos corintianos.

Dia de jogo grande

escreva o seu comentário

Não adianta hoje só se fala no jogo de logo mais a noite entre o Corinthians e o Boca Juniors. Minha mulher, que é corintiana, discorda de quem diz que hoje o Corinthians é Brasil. Ela diz que hoje se trata de Corinthians contra o Boca e o Brasil porque quem não é corintiano está torcendo contra.

O futebol é uma febre, paixão à qual se opõem revanchismos, em certos casos até ódio. Semana passada, durante o jogo entre Corinthians e Boca realizado em Buenos Aires, a cidade de Santos explodiu em comemorações, com fogos e tudo, quando o Boca fez o seu gol. Vingavam-se os torcedores santistas da derrota do seu time perante o Corinthians dias atrás. Assim se passam as coisas e não adianta concordar ou discordar porque paixão é paixão e ponto final.

O que se fala no momento é sobre os desdobramentos extrajogo em caso de vitória ou de derrota corintiana. O que se diz é que, ganhe ou perca o Corinthians, os torcedores se darão o direito de praticar violências, quebradeiras que serão piores em caso de derrota. Existe, nos meios oficiais, preocupação com a saída do público do Pacaembu após o jogo. O metrô fecha à meia-noite e ouvi no rádio pedidos para que, excepcionalmente, o horário de circulação dos trens seja estendido para que as pessoas possa retornar às casas. É bom lembrar que, em caso de empate durante o tempo normal de jogo, haverá prorrogação e até mesmo batimento de pênaltis se a isso se chegar. Caso isso aconteça, realmente o público não terá como se deslocar do Pacaembu em direção às suas casas. Acontece que o metrô já divulgou que não estenderá o seu horário de funcionamento. Embora isso pareça estranho num serviço que afinal existe para atender à população o fato é que devem estar preocupados com a depredação dos trens por torcedores inconformados em caso de derrota.

O bom do time pelo qual torcemos não estar envolvido em jogo como o de hoje é que evita-se o tal “agradável sofrimento” proporcionado por competições nas quais a vitória é a única coisa que interessa. Quanto a mim confesso que, pela lógica, a minha tendência seria torcer pelo Boca, afinal o Corinthians é adversário e não ligo a noção de patriotismo ao esporte. Entretanto, tal será a tristeza da minha mulher caso o Corinthians venha a perder que, por ela e apenas por ela, é bem provável que eu torça pela vitória do Corinthians hoje.

Jogo grande, envolvendo milhares de torcedores no Brasil e na Argentina. Que deliciosa e irremediável paixão é o futebol.

Gente diferente

escreva o seu comentário

Conversávamos sobre pessoas a quem conhecemos, mas dadas a outras concepções de vida. Temos amigo em comum que prima por viver o momento. Em poucas palavras: gasta quanto ganha. Faz viagens constantes, frequenta restaurantes caros e tem sempre o carro do ano. Não poupa. Desfaz-se de coisas com facilidade, renova móveis, está sempre mudando a cor das paredes da casa onde mora. O cara vive a vida. Não poupa. Para ele não existe preocupação com o futuro que passa por problema a ser resolvido quando se chegar lá. E olhe que ele não se atormenta com dívidas que, ao que parece e transparece, estão sempre batendo na porta dele. Está sempre sorrindo, bem vestido e passa a imagem de vencedor a quem o observa.

Bem, o fato é que é preciso nascer feito para ser assim. Concordamos que esse modo de ser e agir não se aprende, nem se adota, antes é preciso ter DNA propício para tanto. E ter a sorte de se casar com mulher do mesmo time, que adote o mesmo gênero de vida sem maiores interrogações.

A nossa conversa ia por aí quando finalmente nos perguntamos o óbvio: e quanto a nós? Ora - respondemos ao mesmo tempo – pertencemos a outro cerne de gente. Somos daqueles seres cautelosos que cuidam da conta bancária e não dão passo maior que a perna. Vivemos bem, sim, mas não nos damos o prazer do luxo excessivo, da troca anual de carro e assim por diante. Enfim, somos cuidadosos, tementes do futuro, poupadores e observadores do movimento geral das coisas que possam se abater sobre as nossas seguranças e de nossas famílias.

Foi a essa altura que o meu amigo, com quem eu conversava, questionou se na verdade não estaríamos nos privando dos prazeres da vida em nome de um futuro no qual, por motivos vários entre elas a saúde, não teríamos como gozar o que poupáramos. Essa pergunta feriu-nos fundo e, a bem da verdade não soubemos respondê-la, fato que nos levou a nos despedirmos.

Voltei para casa pensando no assunto e ponderando sobre se, afinal, não estaria me privando de alguma coisa que me trouxesse prazer em nome da segurança no futuro. Então, lembrei-me do fulano sobre o qual falávamos a pouco e confesso que, de algum modo, passei a aceitar aquilo que nele sempre me pareceu exagero. Eu não tenho DNA para ser daquele jeito e não me sinto infeliz por ser como sou dado que a avareza não faz parte dos meus defeitos. Fica assim.

Como dizia o Guimarães Rosa, viver é muito perigoso.