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O desconforto da riqueza

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Nunca fui rico, nem serei nesta vida. Talvez um remediado que vez ou outra arriscou-se em curtos vôos de gastança. Mas, ocasionalmente, fui colocado em departamentos destinados aos ricos. Nessas raras ocasiões pude reconhecer nos olhos que me observavam, senão inveja, alguma revolta. Desde já deixo claro que aí está a diferença entre quem é rico e quem não é. O verdadeiramente rico habitua-se à riqueza e despreza os adereços de que habitualmente usufrui. Ele não se importa com os olhares dos que observam a sua riqueza. Dentro de seu mundo o rico é natural. O mesmo não acontece com aquele que ocasionalmente intromete-se no mundo da riqueza. Incomoda-o passar por aquilo que não é; incomoda-o receber atenções que a outros não é dedicada. Esse homem de quem falo nunca será rico ainda que venha a ganhar na loteria um prêmio de vulto. Sobre ele pesam cinzas do passado entre as quais o senso exagerado  do valor do dinheiro. Não estará dentro de sua recente riqueza o hábito de ser muitas vezes descomedido. Escolherá entre os vinhos aquele que for bom, mas não o melhor porque muito caro. A pobreza tem garras sólidas capazes de aprisionar alguém pelo resto de sua vida.

O fato é que a riqueza em estado puro, muitas vezes inconseqüente, também incomoda. Lembro-me de que ainda jovem e com verba curta fui a um bar elegante acompanhado por uma moça a quem  queria impressionar. Antes de fazer o pedido estudei com atenção o cardápio para evitar o valor execssivo da conta. Já comíamos quando na mesa ao lado sentou-se um rapaz com a namorada. Impressionou-me o fato do casal ter realizado pedido grande, acima do que seriam capazes de consumir. Depois de servidos, mal beliscaram a comida. Então o rapaz não se deu ao trabalho de pedir a conta: sacou do bolso muitas notas cujo valor seria maior que o devido, deixou o dinheiro sobre a mesa e se foi com a namorada.

Nunca me esqueci do casal de jovens, certamente ricos, cuja atitude desabrida me incomodou. A bem da verdade nunca me dei bem com o dinheiro, mas nunca faltei a ele com o respeito. Vida afora certifiquei-me da importância de conquistar o suficiente para manter vida digna e me socorrer em momentos difíceis.

Mas, escrevo sobre isso porque dias atrás, em avião, viajei na primeira classe. Curiosamente somente eu estava na classe especial de modo que recebi atenção especial com a oferta de variedade de bebidas e comida diferenciada. Entretanto, atrás de mim, viajavam pessoas na classe econômica sem direito às mesmas regalias. Confesso que não me senti bem com aquilo. Feriu-me o tal desconforto da riqueza, ocasional é verdade, mas à qual não estou habituado.  Pareceu-me ter às costas olhos que me condenavam pelo exagero. Acabei tomando vinho demais, talvez para fugir ao incômodo que me apoquentava.

Dirão que tudo isso é bobagem, afinal viagens em primeira classe são rotineiras.Concordo integralmente. Mas que fazer quando não se pode fugir a algo que nos envolve tão imperiosamente?