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“Cala a boca Galvão”

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Termina o jogo entre as seleções do Brasil e de Portugal. Jogo fraco, sem emoções, entediante, sonolento. Alguém ao meu lado fala em acordo entre compadres. Outra pessoa corrige: acordo de comadres.

Alguns jogadores do Brasil saem de campo com aspecto triunfante: o que importa é o resultado, a classificação em primeiro lugar no grupo. Os comentaristas das redes de televisão batem na mesma tecla: não havia porque se arriscar se o empate favorecia o Brasil. Ninguém nega a falta de criatividade dos jogadores e o futebol burocrático da seleção. Mas existe uma desculpa: é Copa do Mundo, o que vale é a classificação.

Na TV Globo, o narrador Galvão Bueno lembra que o Brasil pode não ter jogado bem, mas que, no próximo jogo, venha quem vier, haveremos de vencer. Afinal é o Brasil. O ufanismo verde-amarelo parece ser constitucional no narrador.

A frase “Cala a boca Galvão” tornou-se um dos tops da internet. Seria interessante conhecer o perfil econômico das pessoas que concordam com ela. Sendo o veículo a internet é de imaginar que maioria dos adeptos do “Cala a boca Galvão” pertença a classes de melhor formação. Se assim for o fato se justifica: é às pessoas mais bem informadas que incomoda o ufanismo de Galvão Bueno. Brasileiros capazes de enxergar a realidade do país, encoberta pela nuvem de grande progresso que se propaga por aí, são os mais descontentes com a tal “pátria de chuteiras” ou o “sou brasileiro” inscrito nas bandeirinhas pregadas nos carros.

É significativo o número de pessoas que não está torcendo pelo Brasil. O desencanto tem a ver com fatores como o ufanismo, a confusão entre patriotismo e feitos da seleção, o fato dos jogadores serem desconhecidos por atuarem no exterior e o técnico Dunga, em cujo bloco ninguém quer desfilar.

Dentro desse contexto, o ufanismo fácil de Galvão Bueno surge como piada de mau gosto. Galvão faz lembrar aquele Dr. Pangloss para quem se vive no melhor mundo possível. Talvez por essa posição utópica o narrador esportivo venha sendo tão lembrado através da campanha “Cala a boca Galvão”.

Uma coisa não se pode negar: o Galvão é proprietário de um otimismo invejável.

Recado do Morro

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Não é samba, não é livro: é projétil. O recado enviado pelo Morro dos Macacos veio sob a forma de projéteis lançados por armas potentes, com direito a abate de helicóptero e muitas mortes.

Tem gente chamando de ataque terrorista o conflito entre a Polícia Militar e os traficantes do Morro dos Macacos. Errado: o que aconteceu lá é um recado, talvez o maior deles, avisando sobre situações insustentáveis, desequilíbrios, desigualdades, pobreza, fome, corrupção, destinação errada de dinheiro público, ufanismo fora de hora, exploração do homem pelo homem, vícios, disputas entre criminosos pelo domínio de territórios, veículos queimados, tráfico de drogas, sofrimento de famílias marginalizadas que não têm para onde ir e tudo que se refere à existência de áreas urbanas fora do alcance da lei.

Na rotina de acontecimentos dessa ordem há sempre o depois no qual as autoridades falam e falam sobre diferentes aspectos, sempre prometendo dias melhores. Urge o combate ao crime organizado, as famílias que vivem nos morros não dão guarida aos criminosos, o Rio de Janeiro estará preparado para os grandes eventos esportivos que lá se realizarão num futuro próximo, segurança é preocupação de primeira ordem e assim por diante.

Você ouve e não acredita no que eles estão dizendo. É que você ouviu e entendeu o recado do Morro dos Macacos. Você também viu as imagens desses repórteres e cinegrafistas meio loucos que têm e tiveram a coragem de trabalhar no meio daquele verdadeiro ciclone levantado por gente que corria para todos os lados, cuidando de salvar a própria pele. Você ouviu o ritmo frenético das armas disparando sem parar. Também assistiu ao desespero de gente como a gente, perdida em meio à confusão e procurando abrigos.

O recado do Morro dos Macacos foi um aviso de que se trata de guerra civil, no momento fora de controle e que pode ser reiniciada a qualquer momento, ali ou em outros morros dominados pelo tráfico. O recado é uma mensagem dos bandidos de que pouco estão se lixando para o presidente da República que apareceu na televisão para dizer que a imagem deste país de trabalhadores não pode ser manchada por meia dúzia de bandidos. O recado é um grito ao mundo de que “este país” está crescendo, mas que ainda falta muito para resolver os seus problemas básicos.

O recado do Morro dos Macacos é algo que queremos olvidar, transformar em ficção, desacreditar e fingir que não aconteceu de verdade para que possamos dormir em paz com as nossas consciências.