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Tempo ocioso

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Ouço de velhos reclamações sobre a lentidão na passagem do tempo. Os dias são enormes, as noites muito longas. Existe uma vastidão de momentos ociosos, difíceis de preencher com as pouquíssimas coisas a fazer.

Vive-se hoje em dia sob o império da velocidade. O dia-a-dia é mais que nunca exaustivo. O cidadão chega à casa, no fim do dia, estafado. Leva consigo pelo menos parte dos problemas do dia ainda por resolver. Tarefas para amanhã fazem parte do descanso obrigatório diante da TV. A família? Bem, resolveremos os problemas das crianças até o fim da semana. Exceto as urgências urgentíssimas como as ligadas à saúde.

Vive-se nesse embalo. De repente a pausa: uma semana de folga passada em cidade pequena do interior. O choque é inevitável. Entra-se no ritmo do lugar onde nada acontece e tudo segue morosamente. O organismo habituado ao estresse diário demora a se adaptar. O cérebro recusa-se a descansar. Como desligar uma máquina habituada ao “tudo para ontem”?

Então surge a inevitável pergunta: você voltaria a viver num lugar desses, logo você habituado e treinado na competição diária dos grandes centros? Logo você? Resposta imediata: nem pensar.

A velhice é como essa cidade onde as cosias se passam devagar. Chega a aposentadoria, enfim a hora de parar. Perde-se massa muscular, o coração já não trabalha tão bem, um ou outo exame pedido pelo médico tem resultado fora do padrão de normalidade. Aproximam-se os dias enormes e as noites muito longas. De repente surgem do nada crianças chamando você de avô.

É inevitável. A face que você vê no espelho já nem parece ser sua. O tempo vai cravando rugas aqui e ali, sua disposição é ótima, mas não é a mesma de outros tempos. Não demora para você descobrir que a tal “melhor idade” não passa de uma grande farsa.

……

No consultório do cardiologista reclamo de minhas tonturas periódicas. Ele me diz que a minha pressão arterial oscila muito. Comento que não é fácil tornar-se septuagenário. O médico sorri. Ele tem 73 anos e reclama da perda de massa e força muscular. Faz pilates três vezes por semana, mas os resultados são inexpressivos. Por fim diz que está pensando em reduzir os horários de atendimento em seu consultório. Será uma fase intermediária até para por completo.

O cardiologista é médico competente. Mais hora, menos hora abandonará o trabalho e ficará em casa. É inevitável que eu acabe parando - comenta. Olho para esse senhor e penso em como será sua vida no mundo do tempo ocioso. Tenho vontade de alertá-lo sobre os dias enormes e a noites muito longas. Mas, me calo. Ele bem sabe.

Escrito por Ayrton Marcondes

26 julho, 2017 às 2:51 pm

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