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Temperamento

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Vai-se conhecendo gente. Muita gente. ”Cada um com o seu peru” - dizia o seu Braz, desaparecido a mais de 50 anos. O que é o “peru”? Seu Braz explicava: é a contingencia de cada um. Cada pessoa vive consoante sua circunstância. Há quem se acomode a ela. Outros passam a vida em guerra. Não aceitam a situação que os cerca.

Mas, quanto ao temperamento? Seu Brás dizia que cada um tem sua herança e educação. O ser humano nasce com sua carga hereditária, mas importa a circunstância em que se desenvolve. Isso explica a natureza de gente muito boa e dos tais humanos animalizados. Humanos animalizados? O sujeito que mata por matar - seu Braz exemplificava. Esses não têm amor à vida, daí não importar a eles tirar a vida de outrem - concluía.

Tem gente boa. Tem gente ruim. Tem gente meio a meio. Cada um com o seu peru. Mas, a maldade que tanto nos indigna não é só questão de temperamento. Esse sujeito que semana passada matou a ex-namorada grávida e arrancou os dentes dela antes de queimar o cadáver, esse cara em que categoria de seres humanos deve ser enquadrado? O moleque que se aproxima de um carro e atira no motorista à queima-roupa, esse que mata irresponsavelmente em que categoria o enquadrar? Adiantará lembrar de sua origem, da miséria que o cercou na infância, das influências negativas que recebeu e que, em conjunto, moldaram seu caráter?

Temperamento participa, mas não define. Vi uma moça contrariada gritar absurdos contra a pessoa a quem atribuía falha grave. A moça perdeu-se em considerações violentas. Pergunta-se: tivesse ela uma arma na mão e estivesse diante da pessoa a quem xingava, atiraria? Certamente não. O temperamento explosivo não a levaria a tanto. Descarregada a ira através de palavreado chulo, diminuiria o tom.

Vai-se conhecendo muita gente, vida afora. Gente boa. Gente ruim. Impressiona o atual crescimento da violência. Pelas ruas circulam pessoas para quem a prática do crime é natural.  Mata-se sem culpa. Temperamento? Na verdade, qualquer explicação, ainda que baseada em temperamento, miséria, hereditariedade, aspectos sócio econômicos e educacionais, resulta simplista. Daí as dificuldades em sanar o problema.

Questão de temperamento

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Existe gente de todo tipo. Diariamente você cruza com pessoas de latitudes diferentes. Há quem diga que tudo não passa de uma questão de gênio – nisso se apóiam e justificam-se os tais geniosos.

No fabuloso livro que é “Grande Sertão Veredas” Guimarães Rosa prende-nos a um emaranhando de histórias que se interligam através da desventura de Riobaldo. Dentre elas sempre me lembro aquela do Aleixo, um sujeito que criava num lago, perto de sua casa, uns peixes que comiam gente. De vez em quando o Aleixo arranjava alguém para dar de comida aos peixes. Um dia Deus puniu o Aleixo com um sarampão nos três filhos dele, que ficaram cegos.

Guimarães Rosa explica o temperamento do Aleixo dizendo que ele era homem de “ruindades calmas”. Tem muita gente que é capaz dessas ruindades calmas, você mesmo talvez conheça alguém assim.

Gente boa é que anda escasseando. Essa vida moderna (pós-moderna?) que joga todo mundo numa correria, competindo, não deixa muito espaço para que as pessoas se conheçam, nem mesmo para que se verifique o que há de bom em alguém - as primeiras impressões nem sempre são agradáveis (quantas pessoas têm sido simpáticas com você num primeiro contato?).

Temperamentos fortes são o diabo. O tipo esquentado invoca-se com pouco e adora uma diferençazinha. De coisa pequena faz grande. Pronto: está montado o palco para uma discussão que pode até passar dos limites. Esses caras são os que se transfiguram no trânsito, como aquela personagem de um desenho do Walt Disney que salva uma formiga, mas quando senta-se ao volante…

Os fede nem cheira vão vivendo com seu patrimônio amorfo de atitudes diante de tudo. São pessoas quase sempre retraídas, prontas para dar desconto mesmo a ofensas graves que recebam. Variantes deles são os que agüentam um montão até que explodem. Conheço um cidadão que agüentou horrores do patrão mal educado e só explodiu três dias antes de morrer, anos depois.

O bom do mundo é que a fauna humana é vasta e perecível. Existe gente para todos os gostos e ocasiões. O difícil é entendê-las porque em geral se recusam a falar a língua do outro. Sartre estava certo: o inferno são os outros.

O importante é que é preciso conviver e isso está ficando muito difícil. A boa regra de valorizar o lado bom, aceitar os defeitos dos outros e ser aceito nas mesmas condições nem sempre é valorizada. Veja alguns dos seus vizinhos de condomínio, aquelas pessoas simpáticas com quem você se encontra no elevador. Elas o cumprimentam com urbanidade e tudo vai bem até que você faça algum barulho, surja um vazamento no apartamento de baixo ou outra coisa qualquer.

Conheci pessoas que morreram de mal com tudo, a tal ponto que pareciam até mesmo desajeitadas dentro de seus caixões. Fui a enterros nos quais o melhor comentário que se ouviu sobre o morto foi aquele “enfim sossegou”, isso dito com algum alívio pela própria família.

Há quem acredite que as pessoas nascem para ser de um determinado jeito e assim serão por toda a vida. Não custa lembrá-las de que existem meios de amansar temperamentos e evoluir espiritualmente.

Ninguém é forte o bastante. Talvez por isso Hemingway tenha dito que a vida dobra qualquer um, mesmo aqueles que continuam fortes nas partes dobradas. 

Escrito por Ayrton Marcondes

24 julho, 2009 às 9:21 am

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