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A retirada de Aécio

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Aécio Neves, governador de Minas Gerais, retirou ontem a sua pré-candidatura à Presidência da República, pelo PSDB.

Os jornais de hoje falam em pressão sobre o governador de São Paulo, José Serra, para que se defina quanto à sua candidatura à Presidência. Nos bastidores - e isso não é oficial – fala-se que Serra não tem intenção de candidatar-se, preferindo a sua reeleição ao governo de São Paulo.

Não escapa a ninguém o peso da mão do atual presidente da República sobre o resultado das eleições do ano que vem. Não importa que a candidata do presidente, Dilma Roussef, seja exatamente o oposto do que se espera de uma pessoa pública. Ele de fato não passa de uma grande interrogação e sabe-se lá que postura adotará se chegar à presidência. Não há como ver em Dilma Roussef qualquer traço de estadista como, aliás, ficou demonstrado pela participação dela na atual Conferência de Copenhague. Entretanto, Dilma tem atrás de si um presidente proprietário de pasmosa popularidade, fato que pesará no resultado das futuras eleições.

Partindo-se do anteriormente exposto é de se perguntar sobre as razões das posturas atuais de Serra e Aécio. Serra é governador, sabe demais sobre os bastidores da república e tem, portanto, condições de avaliar bem as suas possibilidades. Sua pelo menos aparente relutância em candidatar-se talvez se explique por esse fato. Serra conhece bem a força da máquina federal e a forma como será e está sendo usada em favor da candidatura de Dilma.

E Aécio? Desistiu de vez? Quem acredita nisso não sabe nada daquilo que é conhecido como “mineiridade”. Aécio é gente de Tancredo, povo de São João Del Rei e isso não só basta como explica tudo.

A política brasileira é rica em casos de políticos que desistem de candidaturas ou cargos para “retornar nos braços do povo”. A imagem de Aécio falando ontem sobre a sua retirada soma-se à dos grandes políticos mineiros que enriqueceram a nossa história com sua argúcia e habilidade.

Raposa velha esse tão simpático Aécio, mais que nunca gente da estirpe de Tancredo.

Memórias publicadas após a morte

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Entre os políticos em atividade no Brasil nos últimos 30 anos talvez não exista figura mais controvertida que a de Paulo Salim Maluf. Amado e odiado, o filho de ricos libaneses representa para um enorme número de pessoas o que há de pior em se tratando de homem público. Com isso não concorda boa parcela do eleitorado de São Paulo que permanece fiel a ele, distinguindo-o com expressivas votações, mesmo após os inúmeros escândalos em que esteve envolvido. Comprova esse fato a eleição de Maluf para o cargo de deputado federal, em 2006, tendo sido o deputado mais votado em todo o Brasil.

Se o leitor tiver a curiosidade de digitar o nome de Paulo Salim Maluf na Wikipedia ficará desnorteado com a impressionante atividade pública desse homem que foi prefeito de São Paulo duas vezes, governador do Estado de São Paulo, deputado federal, duas vezes candidato derrotado à presidência da República, presidente da Associação Comercial de São Paulo etc. Não se pode negar a ele combatividade e produtividade: durante os seus governos concretizaram-se inúmeras obras viárias na cidade de São Paulo, isso para ficar no mínimo no tocante às suas realizações. Por outro lado, Maluf é acusado de corrupção sendo que contra ele ainda hoje existem vários processos nas esferas estadual e federal. Entre outras, a justiça brasileira o acusa de ter vultosa conta no paraíso fiscal das ilhas de Jersey. Além disso, Maluf esteve preso em 2005, acusado de intimidar testemunhas.

Homem de grande inteligência e conhecido por sua excelente memória Maluf surge para parte do público como uma espécie de “mal incontornável”. O fato é que ele nunca se dá por achado e em geral atribuem a ele grande “cara de pau”.

Pois é esse homem que agora revela que está escrevendo um livro de memórias, talvez uma biografia. Ele adianta que revelará os bastidores da eleição indireta de Tancredo Neves à presidência da República, em 1984, e os da aprovação, em 1997, pelo Congresso da emenda que permitiu a reeleição de Fernando Henrique para o seu segundo mandato na presidência da República.

Detalhe: Maluf avisa que as memórias só serão publicadas após a sua morte. Note-se que ele privou do convívio de quase toda a classe política ao tempo em que atuou e, obviamente, sabe muito.  Talvez por isso – e para se livrar de compromissos a que está obrigado em vida – deixe aos cuidados de seus sucessores a publicação das suas memórias. Nesse caso, que se acautelem os homens públicos.

Em todo caso é preciso saber o que Maluf entende por “após a morte”. Será logo após? Ou ele estabelecerá um prazo para a publicação, salvaguardando os interesses dos vivos?

Existe no passado do país um caso interessante sobre publicação de memórias após a morte. Trata-se do livro escrito por Medeiros e Albuquerque cujo título é “Quando eu era vivo”. Medeiros foi poeta, romancista, jornalista, professor, membro da Academia Brasileira de Letras e político atuante.  Pouco antes de morrer, Medeiros entregou aos seus filhos os originais de suas memórias com a expressa recomendação de que só fossem publicadas em 1942. Acreditava o escritor que nesse ano a maioria das pessoas citadas estaria já morta. Medeiros morreu em 1934 e seus herdeiros só publicaram o livro em 42, obedecendo às recomendações recebidas.

“Quando eu era vivo” é livro hoje encontrado apenas em sebos. Trata-se de um trabalho interessante e que vale como depoimento de fatos e pessoas da época em que Medeiros viveu e atuou. Uma enorme galeria de homens é apresentada pela pena de Medeiros que se vale do fato de tê-los conhecido. Para que se tenha idéia, no livro encontram-se perfis de Floriano Peixoto, Rui Barbosa, Prudente de Morais, Campos Salles, Machado de Assis, Euclides da Cunha, Silvio Romero e muitos outros. Além disso, Medeiros se dá o direito a indiscrições. Nos últimos capítulos Medeiros confessa ter sido um tipo de Don Juan e expõe a sua técnica para conquistar mulheres. A partir daí passa a descrever inúmeras das suas conquistas, detalhando os modos como conseguiu chegar ao contato carnal.

O livro de Medeiros e Albuquerque me foi útil em várias ocasiões quando busquei informações não convencionais sobre personagens brasileiros importantes. Quanto aos últimos capítulos, ainda hoje não tenho opinião formada. Se por um lado são engraçados, por outro revelam o machismo tosco de um homem altamente ilustrado.  Ali as mulheres são expostas como objeto de caça, esmiuçando-se as armas utilizadas para abatê-las.

Paulo Salim Maluf tem uma história pregressa de atitudes fora do comum. Não sei se dada as acusações que contra ele pesam suas memórias contarão com credibilidade integral quando forem publicadas. Entretanto, não deixa de ser interessante a hipótese do seu depoimento, ainda mais se ele partir da perspectiva de que, estando morto quando da publicação, a atitude correta é isentar-se ao máximo e falar a verdade.

A morte continuada de Getúlio Vargas

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Já se escreveu mais sobre o suicídio de Getúlio Vargas, em agosto de 1954, do que se pode imaginar. Historiadores se ocupam do último governo de Getúlio, levado que foi ao poder pelo voto popular; romancistas utilizam o cenário do final do governo de Getúlio, as agitações políticas, o crime da Rua Tonelero, figuras como as de Carlos de Lacerda, Gregório Fortunato e a de vários militares em suas narrativas. Em todos os trabalhos destaca-se a intenção de eternizar os acontecimentos do dia 24 de agosto, data do suicídio do presidente.

A “Carta Testamento” de Getúlio permanece como profissão de fé de um homem que deu a sua vida pelo país em nome dos trabalhadores. O fato é que Getúlio Vargas tornou-se, “ao sair da vida e entrar na história” o mais emblemático personagem da história recente do país.

Vai daí que o Museu da República, instalado no antigo Palácio do Catete, foi transformado, há alguns anos, numa extensão do túmulo de Getúlio. O quarto onde o presidente se matou permanece intacto, com os mesmos móveis, compondo uma atmosfera sinistra pela qual passam diariamente inúmeras pessoas.  Antes de chegar a ele, último pórtico da visita ao palácio, o visitante passa por salas onde encontra fotos de Getúlio, trechos de seus pronunciamentos etc. Há, portanto, uma espécie de imersão no mundo em que Getúlio viveu, servindo como preâmbulo à chegada ao quarto onde ocorreu o desfecho fatal.

Não há, durante o trajeto que leva ao quarto, como não se pensar na historia do país, nos homens que escreveram essa mesma história com os seus atos e nas multidões desaparecidas que se empolgaram com os acontecimentos de então. É como se a voz de Getúlio ecoasse de um mundo desfeito para dizer que o Brasil foi assim e talvez continue a ser assim.

De modo que, ao adentrar o quarto, está o visitante imbuído da atmosfera de luto acontecida em 1954 e não será demais dizer que ele saia de lá esperando encontrar, fora do palácio, multidões comovidas e chorosas pela perda de um grande ídolo nacional.

A permanente atmosfera fúnebre criada em torno de Getúlio Vargas tem muito de culto a alguém deificado pelas multidões cujas circunstâncias da própria morte - assim entendem os organizadores do trajeto do Palácio do Catete - devem ser preservadas. Para isso certamente concorre o retorno ao palácio do pijama usado por Getúlio no momento em que atirou em seu próprio coração. O pijama de seda acaba de ser restaurado e foi devolvido ao museu para que os visitantes possam ver as machas de sangue do presidente e o buraco por onde atravessou o projétil.  Está lá, portanto, ao alcance dos olhos de quem quiser ver, uma peça da tragédia como a atestar a existência real de um mito.

Há muito de lúgubre no cenário preservado no Catete para o qual convergem visitantes – cinquenta mil em 2008, segundo informações. Pode ser que as coisas estejam bem como estão, mas Getúlio talvez merecesse outro tipo de memória que não a consolidada em torno de seu último ato.

Tancredo Neves, que foi ministro durante o governo de Getúlio, morreu muitos anos depois dele num momento em que o país depositava muita esperança em seu governo por se iniciar. A morte de Tancredo de tal forma alterou os destinos do país que até hoje figura-se como capricho da história, talvez traição dela em relação ao povo brasileiro.

Tancredo repousa em seu túmulo no pequeno cemitério da igreja de São Francisco de Assis, em São João Del Rei. A cidade homenageia Tancredo com um museu onde são mostrados aos visitantes cenas e fatos importantes da vida do político mineiro.

Creio que a posteridade favoreceu mais a Tancredo Neves que a Getúlio Vargas cuja memória de seu suicídio celebra-se ininterruptamente no local onde ocorreu a histórica tragédia.