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Tempo que não volta

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Se há algo que se torna muito claro quando se chega à década dos sessenta anos de idade é a irreversibilidade do tempo. Não que antes não a percebamos: simplesmente a ignoramos, talvez por essa noção de eternidade da vida que levamos conosco. Todo mundo sabe que a vida é finita, que mais dia, menos dia, deixaremos de ser. Aos que tem fé existe a certeza de que o estágio neste mundo não passa de preparação para outra dimensão na qual o espírito que abandonou a carne sobreviverá. As religiões se apoiam na ideia transcendental de continuidade da vida no âmbito espiritual, sendo que algumas delas admitem o retorno a este mundo, enfim a reencarnação. Infelizmente, todas formas de contato com dimensões post-mortem não são conclusivas, restando dúvidas sobre a realidade de contatos com pessoas que já morreram.

Mas, eis que me desencaminho. O tempo corre e em geral fingimos que ele não passa para nós. Mas, de repente a mocidade fica para trás e nos deparamos com a realidade de que avançamos em direção à fronteira na qual ninguém sobrevive. O caminho em direção à lápide é tortuoso e não se sabe quando termina. Mas, enquanto seguimos por essa via - na medida em que avançamos – velhas questões que na faina diária deixamos de lado ressurgem. Trata-se de perguntas para as quais obviamente não existem respostas definitivas, mas que nos incomodam. Questões sobre o sentido da vida, o bem e do mal, a existência da alma e mesmo a de Deus tornam-se imperiosas. Afinal, o que há do lado de lá, depois dessa enorme sombra para a qual seremos projetados no momento em que deixarmos o mundo que conhecemos? Essas e muitas outras questões com as quais não perdemos tempo no dia-a-dia de repente começam a incomodar, senão pressionar porque envolvem significados que não alcançamos. Trata-se da vontade de saber a qual só a morte pode conter.

Você se entende envelhecendo quando repara que as pessoas que fazem parte da sua geração desparecem, lenta e progressivamente. Pessoas de nosso convívio, personalidades públicas, ícones de nossa época morrem e a morte deles figura como aviso de que também a nós está reservado o mesmo fim. É esse despovoamento de nossos pares que abala a noção de eternidade da vida à qual nos agarramos tão vigorosamente.

Escrevo sobre isso porque ontem morreu o ator Walmor Chagas. Tinha ele 82 anos de idade e foi encontrado morto com um revólver sobre o colo. Não há como ficar indiferente à morte de Walmor, ator a cujas encenações nos habituamos ao longo de décadas. Eu o vi, ainda moço, no palco, participando de uma peça. Há pouco tempo revi o filme “São Paulo S/A” no qual Walmor tem atuação magnífica, trazendo-nos de volta aquela cidade de São Paulo em ritmo de industrialização.  Não há como não ligar a morte de Walmor à percepção de um mundo que se vai, de fim de uma época, da voracidade com que o tempo devora as nossas vidas.

Ninguém sabe quanto tempo viverá. Entretanto, nunca é demais lembrar aquelas que foram as últimas palavras de Machado de Assis em seu leito de morte:

- A vida é boa!

Talvez por isso o deixar de ser nos impressione tanto.