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A força das palavras

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Existem limites. Mesmo os grandes artistas da palavra enfrentam situações nas quais torna-se impossível descrever, com precisão, algo que presenciam. A riqueza da vida pode mostrar-se inatingível.

Ontem realizou-se na Vila Belmiro a final do campeonato paulista. Venceu o Santos, tornando-se o campeão deste ano. Não assisti ao jogo, mas presenciei o momento em que o time da Vila fez o gol que daria a ele o campeonato. No décimo andar de um prédio olhava, do alto, a cidade. Pairava no ar a tensão da grande torcida silenciosa, agoniada com o andamento da partida. De repente, dos prédios ergueu-se um rumor, som crescente, nascido do grito dos torcedores que, finalmente, explodiu em grande manifestação. A elevação progressiva do som emitido pelas gargantas, a alegria mediada pela explosão incontida, a sensação de plenitude humana provocada no fortuito espectador que a presenciou, tudo isso é indescritível. Palavras podem descrever o acontecido sem, entretanto, atingir a verdadeira sensação provocada pelo fato. Entretanto, nada somos sem as palavras.

No dia-a-dia fazemos uso de um discurso, tantas vezes protocolar, constituído por sequências de palavras às quais estamos habituados. O vocabulário pessoal, pobre ou rico, costuma dar conta de nossas necessidades de comunicação. Linguistas afirmam que pessoas cujo vocabulário é inferior a 3 mil palavras não exercem exatamente sua humanidade e cidadania. De todo modo as palavras que usamos têm, cada uma, suas forças moduladas pelo contexto em que são aplicadas e a entonação que a elas conferimos em nossos pronunciamentos. Talvez por isso nos incomode tanto a progressiva banalização da linguagem e a ausência de leitura que restringe vocabulários e conhecimentos.

Dias atrás presenciei a conversa de um agrupo de jovens que operavam com um mínimo consumo de palavras. Presos a expressões curtas e estigmatizadas, entendiam-se através de um discurso distanciado da língua que conhecemos. Eram estudantes uniformizados, teriam em média 16 anos de idade. Doeu-me pensar no quanto seria complexa a travessia desses jovens para ultrapassar o limbo a que estavam condicionados.

Segundo o escritor mexicano Octavio Paz “A palavra é o próprio homem. Somos feitos de palavras. Elas são nossa única realidade ou, pelo menos, o único testemunho de nossa realidade.”