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A moça da praia

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Olhe que ela era bonita. Nesse mundo tem gente que nasce com estrela, ainda que para não brilhar muito. É o tal jeito majestático que acompanha alguns desde o nascedouro. A pessoa atrai atenção, simplesmente por ser o que é.

Na moça da praia combinava-se a harmonia dos movimentos com a graça do corpo. Aliás, que se diga: corpo escultural. Desses de causar dor nos mais afoitos. Corpo imantado, esquadrinhado pelos olhares alheios, capaz de despertar sensações espasmódicas. Dirão que exagero: mas, não. Ela era assim, como Deus a fez num momento de pura inspiração, talvez cansado de criar tanta feira decidiu-se Ele a apelar para a regra da compensação.

Bem, não importam os motivos, nem ficar pensando na combinação ousada de genes que se agregaram para formar a moça da praia. O fato é que era ela uma mulher até simples, da simplicidade que não encobre a majestade. E você sabe como é a boca dos homens das quais sempre se ouvia que aquela mulher não era para qualquer um. Ali até um rei se renderia encantado por tanta formosura. Um milionário a cobriria de brilhantes, roupas caríssimas, enfim de tudo que o dinheiro pode dar. Mas, a vida é mesmo uma caixinha de surpresas, fenômeno estranho e inexplicável que resiste a toda lógica. Você não concorda?

Pois, digo que a beleza no fundo é ilógica. Senão a beleza, pelo menos quem a possui. Então, você conhece o Pedro, aquele a quem chamam de Pedrinho? Ele mesmo, aquele cujo pai tem a padaria, ali na esquina, numa ruazinha perto da praia? O Pedrinho, aquele baixinho, meio feioso, bom sujeito, amigão, gente fina, finíssima. Pois não é que a moça da praia viu no Pedrinho um encanto que não vimos e ficou com ele?

De novo a boca dos homens, boca maldita: Pedrinho, aquilo não é mulher para você; Pedrinho é muita areia para o seu caminhãozinho; cuidado Pedrinho, dia desses você pode ter uma surpresa.

O Pedrinho? Qual o quê. Vivia de encantamento. Você já viu aquelas najas encantadas pelo cara que toca flauta? Pois, o Pedrinho ficou que nem as najas. Para ele o céu estava sempre azul, o mar em calmaria. Caso ventasse tratava-se de vento suave, perfumado. No mundo em que ele vivia havia nitidez e lascívia. Espécie de sonho acordado dentro de um jardim mágico do qual ele se fizera prisioneiro.

Assim, passaram-se os meses. Em tanto enlevo se perdeu o Pedrinho que não percebeu que nessa vida o que é bom pode durar pouco e os sonhos não passam de sonhos que acabam de repente quando os olhos se abrem.

Até hoje ninguém sabe dizer que fim levou a moça da praia. A boca dos homens pronunciou-se dizendo que ele se fora com algum ricaço, talvez um príncipe seja lá o que for. Outros disseram que fosse quem fosse o homem com quem ela partira ele seria a próxima vítima. E houve quem aventasse a hipótese de ela fosse uma deusa do mar que viera divertir-se um pouco em terra e logo se cansara.

O Pedrinho? Chorou até seus pés ficarem mergulhados numa lago de lágrimas. Depois do caso com a moça da praia nunca mais foi o mesmo. Eu o vi tempos atrás e o rapaz me pareceu ter envelhecido muito. Cumprimentei-o de longe, ele respondeu com um aceno de cabeça, rosto sério, tristeza estampada.

Não era mulher para ele, não quis ouvir a boca dos homens, deu no que deu.

Ah, ia me esquecendo, há quem até hoje jure que a moça da praia na verdade nunca existiu, ela nada mais foi que uma simples miragem, coisa de imaginação da cabeça dos homens.