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Amigos

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São passados quase 50 anos, ainda assim reconheço de pronto a voz ao telefone. É ele o grande e velho amigo Júlio que me liga assim, de repente, sem nenhuma cerimônia. E vai logo me dizendo as bobagens que nos falávamos ao tempo de companheiros na faculdade. É bem como se tivéssemos nos encontrado ainda ontem num bar desses aí, tomando juntos a indispensável cerveja.

Nem pergunto como o Júlio terá conseguido o meu telefone. Com alguém em comum, certamente. Mas, como se também dos outros me afastei, afinal a vida propõe rotas fazendo-nos pensar que as escolhas são nossas. Ficam para trás os amigos, pessoas a quem amamos ou até odiamos no passado. Até que um dia o telefone toca e o passado entra em casa com toda força e impertinência, cobrador de conjunturas esquecidas que são revividas num único segundo.

O Júlio pergunta sobre o quê, afinal, tenho feito nos últimos 50 anos. A resposta exigiria a confecção de um tratado no qual erros se sobressairiam aos fugazes acertos. Como dizer a ele, que surgiu assim do nada, que… Se estou bem, sou casado, tenho filhos, netos, bem ou mal de vida? A quantas vai a minha saúde? Fumo?

Tento responder à inquisição, passando por alto em aspectos dos quais nem sempre me lembro bem. Não preciso perguntar, mas o Júlio me informa sobre sua vida e atividades nas quais ainda se empenha muito. Faz parte dele o senso de ajuntamento de pessoas em torno de alguma missão seja ela qual for.

Depois que desligo jogo-me na poltrona, fecho os olhos e me entrego a refazer o mundo desfeito de meus tempos de faculdade. Voltam-me imagens dos colegas de turma, todos ainda jovens, figuras com o aspecto que tinham na última vez que os vi. Imagino o aspecto que teriam agora, envelhecidos. Sobrepor a imagem atual àquela dos verdes anos não será tarefa fácil caso os reencontre. Aliás, será que seria capaz de reconhecer os antigos companheiros agora que o tempo passou tão densamente e minha memória deles teima em apagar-se?

O que o Júlio quer é reunir a turma. Nas palavras dele: os sobreviventes. Ele explica que, embora eu não saiba, muitos dos nossos já se mandaram desta vida. Sobramos nós, uns tantos, resistentes. Então devemos nos encontrar enquanto ainda há tempo. A cada ano novas baixas acontecem e chegará o dia em que do nosso exército não restará nenhum soldado.

O Júlio disse tudo isso e outras coisas das quais já me esqueço. Ligará depois para dizer a ocasião do encontro ao qual, segundo ele, tenho obrigação e comparecer. No fim perguntei a ele se de fato conseguirá a adesão dos antigos companheiros. Ele respondeu que sim, nem que tenha que ir buscar um a um sem suas casas.

Pensei em dizer ao Júlio que na verdade eu não constava da lista de sobreviventes. Inútil. Como se vê estou irremediavelmente engajado.