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Gentes do sertão

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Na última década do século passado internei-me por um mês no sertão, região de Canudos. Experiência difícil e dolorosa a começar pela escassez de água. Desde então a minha experiência com torneiras nunca mais foi a mesma. Refiro-me ao fato de passar tempo em lugares onde a água, que jorra facilmente pelas nossas torneiras, quase ser um produto de luxo. Vi pessoas caminharem longas distâncias, sob o sol inclemente, para buscar a água que caminhões de prefeituras traziam, uma vez por semana.

Mas, não pretendo me alongar sobre aqueles dias que por si resultariam num texto talvez vasto. O que me move agora é uma questão que desde aquela época para mim continua mal respondida. Afinal, por que pessoas nascidas naqueles lugares permanecem ali mesmo sob condições precárias de sobrevivência?

A resposta óbvia de que a pobreza, o analfabetismo, a fome, o abandono secular pelos governos e outros fatores do mesmo gênero são as causas da permanência não nos convence totalmente. Está claro que ao homem daquelas paragens pesa o temor da migração a centros maiores nos quais a sobrevivência seria ainda mais difícil dado o despreparo para a inserção em qualquer setor do mercado de trabalho. Nesse sentido somos conscientes do desespero de famílias de repente desembarcadas em cidades nas quais não têm moradia e não encontram nem mesmo o que comer. Os velhos centros de imigração constituem-se num rico manancial de tristes histórias das gentes sofridas do Brasil.

Então, por que? Por tudo o que foi citado anteriormente, mas, também, pela ligação ao único universo que conhecem e por onde circulam com naturalidade. Jamais me esquecerei do dia em que, após longa jornada nos caminhos da caatinga, chegamos a uma fazenda, sendo recebidos com alegria pelo proprietário. Era um fim de tarde. Acomodamo–nos na varanda de onde avistávamos a paisagem de cactáceas a perder de vista. Mais perto, dentro do cercado que circundava a casa, bodes se alimentavam das cactáceas conhecidas como palmas. Paisagem para mim desoladora. Exceto aqueles animais, nada se movia sob o calor infernal e a ausência de vento. E não é que a certa altura o proprietário da fazenda na qual não existia uma só árvore se voltou para nós e disse: adoro a beleza desse lugar. Isso tudo é lindo. Não sei como vocês podem viver em cidades.

Naqueles ermos tentei revisar o conceito de beleza. Talvez o homem que nos falara sobre a beleza de um vasto terreno de cactos sobre um solo pobre tivesse outra opinião, diferente, sobre o belo. Mas, ele era dali, nascera naquele lugar, de seus pés emergiam raízes que o prendiam ao mundo que conhecia.

Por puro acaso dias atrás estive com uma mulher vinda da região que eu visitara no passado. Ela e os irmãos haviam imigrado para o interior de São Paulo há alguns anos onde se estabeleceram. Contou-me que mês passado estivera em sua cidadezinha natal, distante 300 km de Salvador. Fora visitar parentes. Encontrara-os bem. Reclamara do terrível calor durante o dia, porém compensado pelas noites de temperatura agradável. Perguntei a ela sobre o modo de vida no lugar. Respondeu-me que, como sempre, as pessoas continuavam bebendo. Arregalou os olhos e afirmou:

- As mulheres bebem muito. Já perdi duas tias com cirrose. Minha irmã que mora lá vai pelo mesmo caminho. O povo de lá gosta de tomar a cachaça Pitu, com caju. Todo mundo toma isso.

Perguntei sobre trabalho e a resposta foi a de que, em sua maioria, as pessoas não fazem nada. Alguns se deslocam para cidades maiores em busca de ocupação.

Não é difícil se imaginar uma cidade com cerca de 20 mil almas, distante da capital do Estado, lugar onde raramente chove e os sol brilha sem cessar. A igreja é o único prédio da comunidade. Em torno dela ruas com fileiras de casas com fachadas mais ou menos iguais. Dentro das casas a vida de sempre.

Perguntei à mulher por que viera para o interior de São Paulo. Em busca de emprego - respondeu. Lá não tinha o que fazer. Ficasse lá hoje estaria na Pitu.