racismo no Brasil at Blog Ayrton Marcondes

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O caso Waack

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Tempos trás dei carona para um rapaz. Seguíamos por uma avenida e, ao realizar a conversão para a direita, fomos fechados por uma motociclista. Por pouco não o atropelamos. No momento da quase colisão o rapaz que me acompanhava disse: “coisa de preto”.

Acontece que o meu caronista era um negro. Obviamente, não foi movido por nenhum racismo ao dizer o que disse. Apenas apelou para o manancial de dizeres comuns - e ofensivos - que fazem parte do vocabulário a que se está habituado. Negros, judeus e tantas outras etnias não escapam ao olhar deletério de uma população acostumada a ofender por simplesmente ofender. Mas, no fundo do poço, isso será sempre racismo?

Waack afirma que não. Disse o que disse, mas alega ter sido uma piada. Invoca sua longa e brilhante carreira jornalística para gritar alto que não é racista. Acusa as grandes corporações de covardia diante das redes sociais contra as quais não se propõem a pelo menos dialogar. Termina dizendo que sua obra é testemunho de que não é racista.

Não restam dúvidas de que Waack pagou alto tributo devido a posição que ocupa. Não fora ele jornalista de alto gabarito - sua ausência no Painel da Globo News é terrível - não teria o seu caso a repercussão que alcançou. Mas, era bem ele, vidraça das grandes e deu no que deu.

Não nos cabe afirmar com certeza sobre o foro íntimo do jornalista sobre racismo. Entretanto, não se desconhece que nos tempos atuais vicejam o conservadorismo e o politicamente correto. Tudo bem, mas insuportáveis os novos arautos da verdade que se levantam a todo instante em nome do politicamente correto. Que se veja celeuma estabelecida em torno do problema do assédio sexual. Sem jamais negar o grande drama vivido pelas mulheres constantemente assediadas – e estupradas – é preciso lembrar de que nem tudo é estupro.

Recentemente li que as redes sociais não nada criam, apenas servem para destruir. As “fake news” tornaram-se rotina e a manipulação da informação na internet coloca-nos em dúvida sobre a veracidade do que se divulga. Reina grande preocupação com o que está por vir no período que antecede as próximas e decisivas eleições. Uma delegacia para acompanhar a divulgação de notícias pela internet está em andamento.

Lastimo o acontecido a William Waack. Perde-se com a ausência de sua figura alguém em quem se pode confiar. Criterioso, perspicaz e informado, emprestava-nos alguma serenidade no julgamento dos fatos alarmantes que constituem o cotidiano desse enlouquecido Brasil.

Mas, que fazer?

Cuidado com o que fala

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No auge do governo Médici as pessoas eram caladas. Você estava num ônibus, em São Paulo, e não ouvia vozes. Pessoas no máximo cochichavam. Falar de ditadura, governo militar, política, comunismo, terrorismo, etc. nem pensar. Anos de chumbo, são anos de chumbo, nada a declarar.

Meu tio era um sujeito de sangue quente. Proprietário de bondade ímpar, coração de ouro, era do tipo nervoso. Desses que vão do zero ao infinito em um segundo, mas logo retornam ao bom senso. Teve vida de aventuras e muitas vezes ouvi dele as diabruras que cometeu quando jovem. Homem de outra época percorreu interiores do país, vendendo quinino para tratamento de malária. Tornou-se professor após sérios desentendimentos com a banca examinadora que viria a dar a ele a licença para ensinar. Fez parte do contingente de soldados paulistas durante a Revolução de 32 e, já velho, ainda citava o heroísmo dos rapazes do MMDC: Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo - retive na memória esses nomes de tanto ouvi-los de meu tio.

Falo de meu tio porque as discussões dele com minha tia eram comuns. Também comuns eram as razões do palavrório trocado entre eles. Em verdade havia uma única razão: meu tio não tinha travas na língua, dizia o que pensava. Metia a boca no governo militar. Minha tia brigava com ele, implorando para que se mantivesse calado quando fora de casa. Uma palavra errada dirigida a um desconhecido poderia gerar grandes problemas.

A ditadura ficou para trás, o regime democrático está aí com suas imperfeições. O tempo passou e agora vive-se o período do politicamente correto no qual é preciso muito cuidado com o que se fala. O perigo está no uso de expressões arraigadas na língua e que têm conotações discriminatórias. Por exemplo: a piada de que o baiano é um sujeito folgado. Dela sugiram expressões realmente negativas em relação a baianos. Todo mundo a que se refere a palavra “baianada”. Entretanto, falava-se em “baianadas” sem realmente ter em perspectiva os nossos irmãos da linda e querida Bahia. Ah, Salvador, que saudades… Entretanto, hoje em dia o melhor é não se usar mais a palavra.

O mesmo pode-se dizer em relação a expressões de cunho racial as quais, obviamente, não devem ser usadas. Entretanto, no passado o uso de tais expressões tornou-se parte integrante da linguagem comum. Devem, sim, ser banidas. Mas, não creio que todas as pessoas que eventualmente ainda cometam o deslize de utilizá-las sejam de fato racistas. Isso não quer dizer que não exista racismo no Brasil, muito pelo contrário. Mas, levará um tempo até que o modo de falar do povo seja acertado.

O politicamente correto

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Não sei se as chamadas “piadas de português” já passaram ao rol das discriminações. Se acontecer será uma pena porque algumas delas são ótimas. Consta que em Portugal existe o revide dada a existência de grande rol de piadas sobre brasileiros.

O afastamento de William Waack pela Rede Globo reacende a discussão sobre o racismo. O jornalista experimentado e de grandes méritos foi flagrado num vídeo de conteúdo racista divulgado na internet.  Fosse em épocas distantes não se daria tão grande importância ao assunto. Mas, nesses tempos de politicamente correto será difícil, senão impossível, ao jornalista livrar-se da situação em que se encontra.

Há, também, o caso da atriz que gravou comercial, anunciando o lançamento de papel higiênico preto. O entendimento do teor racista do comercial gerou protestos e provocou as desculpas da empresa fabricante e da atriz.

Não é possível se negar a existência de preconceito racial no país. Por mais que se tente camuflar em nome da tal cordialidade dos brasileiros o fato é que preconceito e discriminação existem em grande escala. O diabo é que certos modos de falar incorporados aos discursos comuns do dia a dia passaram a ganhar peso maior nos dias atuais. Certas brincadeiras antes tidas como “normais” tornaram-se inaceitáveis.

Nos meus tempos de estudante, em São Paulo, certa vez aconteceu-me caso interessante. Estava eu num ônibus quando, de repente, o motorista parou num ponto, levantou-se e veio na minha direção. Era um negro alto que se dirigiu a mim, tratando-me pelo meu nome. Bem, era o Eleutério, Eu conhecera o Eleutério, irmão do Policarpo, em meus tempos de menino. O avô dos dois trabalhara para o meu avô, o Policarpo fora ajudante do meu pai. Depois a família deles se mudara para são Paulo e perdemos contato. De modo que foi grande a minha alegria de reencontrar o Eleutério e ter notícias da mãe dele que já se habituara à cidade grande e gozava de boa saúde. O detalhe é que na ocasião em que reencontrei o Eleutério, no momento em que ele se aproximava de mim, uma senhora sentada a meu lado recomendou: cuidado, é preto…

Para algumas pessoas o preconceito racial é uma barreira intransponível. Hitler exterminou 6 milhões de judeus em nome da necessidade de limpeza étnica. As fotografias de corpos amontoados em campos de concentração causam-nos mal-estar e nos levam a ponderar sobre os limites da maldade humana.

Leio que um rabino de 93 anos, homem que passou por cinco campos de concentração durante a guerra, não acredita na bondade humana. Para ele o homem é um ser naturalmente mau, capaz de selvagerias. Entende-se a opinião de pessoa que enfrentou tão grandes martírios e sobreviveu. Mas, não se pode generalizar. Demais o homem é um ser ambíguo. O verniz da civilização pode desaparecer diante de circunstâncias desfavoráveis. Em todo caso é preciso sempre repetir que racismo, intolerância, segregação racial e discriminação são inaceitáveis. Talvez por isso se torne cada vez mais difícil aceitarem-se manifestações de  teor discriminatório como no caso do jornalista da Globo.