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Torcer contra o Brasil

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Um rapaz me perguntou se o melhor é torcer contra o Brasil. A ideia é a de que se o Brasil for derrotado os políticos não farão uso do ufanismo da vitória em benefício próprio. Alegria e festas anestesiam. De repente uma onda de confiança poderá varrer o país e toda essa situação de desmandos não será esquecida, mas minimizada e isso não é bom.

Eu me lembro da Copa de 70. Num país mergulhado no período mais violento da ditadura não havia lugar para a alegria. Gente cabisbaixa andava por aí, evitando opinar porque qualquer ato falho poderia resultar em interrogatório ou mesmo prisão. Naquela situação ouvi de muita gente que o melhor seria perder a Copa. Seria bom não torcer pelo escrete brasileiro, pois a vitória seria muito útil ao governo militar, jogando uma cortina de fumaça sobre um regime de torturas, etc.

Nas vésperas da estreia do Brasil contra a Tchecoslováquia tomei uma cerveja com um amigo engajado politicamente. Durante o nosso papo ele me cobrou posição firme em não torcer pela seleção. O amigo não podia admitir que eu fizesse de conta de que nada estava acontecendo. Torcer pela vitória brasileira seria ato irresponsável, senão traição aos ideais democráticos.

Se bem me lembro o primeiro jogo começou quando já era noite no Brasil. Fui ver a partida em casa de um amigo cujo pai comprara uma televisão de 29 polegadas o que era o máximo na época. Lá fora a cidade de São Paulo quieta: não se ouvia nada, era como se um cemitério gigante mergulhasse nas sombras da noite, silenciosamente. E veio o gol da Tchecoslováquia: 1 X 0. Melhor assim. Perderíamos o jogo, nossa consciência política ficaria em paz. Aí o Rivelino bateu uma falta e gol do Brasil. Naquela hora pudemos ver a camisa amarela do Brasil. Era o nosso país em campo. A tal pátria de chuteiras. De repente, ergueu-se um murmúrio que logo foi substituído por gritos. Não demorou a aparecerem os primeiros foguetes. No fim do jogo em que o Brasil fez quatro gols estávamos em festa.

Varei a madrugada num bar com o amigo em cuja casa assisti ao jogo. Mais tarde fui dormir feliz em sonhei com a mágica dos lances proporcionados pelos nossos artistas da bola.

O fato é que precisávamos daquela vitória e das outras que se seguiram até a conquista da Copa. No dia-a-dia difícil e sem margem para alegria a vitória do Brasil resgatava a noção de brasilidade e o amor à pátria. O governo de então usou como pode em seu favor o momento de euforia das massas. Entretanto, a vitória também era do povo, o mesmo povo que anos depois iria às ruas exigir as Diretas-Já.

Isso tudo eu disse ao rapaz que me perguntou se vou torcer pelo Brasil. Acrescentei que posso até tentar torcer contra. Mas, se tomarmos um gol e virarmos o placar… Aí falará mais alto o meu coração de brasileiro.

Meu caro, não tem jeito.