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O Dia da Árvore

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Ontem foi comemorado o “Dia da Árvore”. Nas escolas realizou-se o movimento de conscientização das crianças que foram instruídas e convidadas a plantar uma árvore. O que se busca é a interação dos pequenos com o ambiente, estimulando-se a participação e a contribuição individual em relação aos problemas ambientais.

Escrever um livro, ter um filho e plantar uma árvore: ações que já foram, em conjunto, consideradas necessárias à realização de qualquer pessoa. Os tempos são outros e há quem já tenha feito as três coisas e não se sinta plenamente realizado. Aliás, o conceito de realização no mundo atual envolve múltiplas exigências de modo que o melhor é a separação entre o que alguém considera como sua realização e o modo como outras pessoas avaliam alguém como realizado.

Mas, o assunto é plantar árvores e comemorar o “Dia da Árvore”. Pois carrego comigo o orgulho de, certa vez, ter encontrado um pinheiro de poucos centímetros que, de alguma forma, fora arrancado do chão. Entre mim e aquela tenra futura árvore estabeleceu-se uma ligação que jamais de desfez. Eu o carreguei até perto de uma casa, nas montanhas, e cuidadosamente enterrei as suas raízes no solo.

Passávamos, na ocasião, por um inverno muito frio e temi pela sorte do meu pinheirinho, tanto que, durante a noite, o cobria para protegê-lo dos ventos e bruscas variações de temperatura. Com tais cuidados ele sobreviveu e cresceu. Ano após ano eu o acompanhei primeiro como uma pequena árvore, depois no seu ciclo de crescimento até se tornar a portentosa árvore que ele é nos dias de hoje.

Estivemos separados ao longo dos anos, encontrando-nos apenas nas visitas ocasionais que fiz e faço às montanhas. Nós dois procriamos, eu tendo filhos e ele cercando-se de outros pinheiros de sua estirpe, gerados pelas sementes que caíram de suas pinhas.

Houve um tempo em que as montanhas foram assoladas por grandes vendavais. Nessa ocasião o meu pinheiro tremeu e houve quem temesse que ele se quebrasse e caísse sobre casas e fios de alta tensão. O perigo fez com que a prefeitura da cidadezinha onde vive o pinheiro me ligasse pedindo autorização para derrubá-lo sob ação de motosserras. Protestei, disse que esperassem, enfim a tormenta passou e ele continua até hoje em seu lugar, forte e maravilhoso.

Creio que foi por essa época que passei a perceber que os problemas ocasionais relacionados ao pinheiro coincidiam com momentos de dificuldades na minha vida. Quando da ameaça de corte dele também eu passava por tremenda crise que enfim se resolveu. Sobrevivemos, os dois, portanto. Noutra ocasião foi ele atacado por vigorosa praga que enlaçou o seu caule ameaçando-o. Justamente nesse tempo eu me recolhi durante algum tempo às montanhas visando curar algumas feridas da alma, bem a tempo de arrancar a praga e devolver a liberdade ao pinheiro.

Estamos os dois, assim, ligados fazendo-me lembrar da lenda de Meleagro que, ao nascer, teve a sua vida ligada ao fogo. Durante a sua existência, Meleagro participou de várias guerras, mas manteve-se vivo porque sua mãe cuidava fogo, mantendo-o aceso. Certo dia a mãe de Meleagro descuidou-se do fogo e, no momento em que as chamas se apagaram, Meleagro morreu.

Não tenho razões para duvidar de que se o pinheiro que plantei tivesse sido cortado eu também teria morrido. De modo que toda vez que me sinto abatido, nas ocasiões em que os problemas que me cercam parecem enormes e insolúveis, é ao meu pinheiro que recorro. A pouca força que tenho reside naquela imensidão de raízes profundas, caule vigoroso que parece tocar as nuvens e um mundo de ramos carregados de pinhas.

Entre mim e o pinheiro que plantei não é difícil prever quem deixará a vida primeiro, mas isso não me incomoda: sei que depois que eu estiver morto ele continuará lá, forte e absoluto, desafiando vendavais, contemplando por mim o mundo em que vivi.