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Velhice

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Aconteceu dias atrás. Estava eu na cozinha de minha casa quando minha mulher me perguntou se eu não atenderia ao telefone. Ao que respondi perguntando: mas que telefone? Então ela me disse que o meu celular estava tocando. Juro que não ouvi. Verdade que o celular estava em cômodo distante na casa. Mas, se ela ouviu por que eu não?

Chateado fui verificar. De fato no telefone havia uma chamada identificada. Mais chateado ainda comecei a duvidar dos meus ouvidos. Logo eu que sempre tive o tal “ouvido de tuberculoso”, audição apurada da qual sempre me orgulhei? Não seria possível estar distraído a ponto de não dar importância ao chamado ocasional de um telefone?

De lá para cá passei a prestar atenção à minha capacidade auditiva. Infelizmente ela se reduziu mesmo. Não, não estou surdo pelo amor de Deus. Continuo ouvindo bem. Ouvindo bem, mas não muito bem.  Pois é.

Outro dia um amigo queixou-se de algumas perdas provocadas pelo envelhecimento. Chegamos à óbvia conclusão de que por mais que lutemos contra o processo é irreversível. O que se dá é que em geral negamos a aceitar-nos com limitações físicas. É aquela história de encarar o carregamento de coisas pesadas quando a coluna já não demora a gritar.

Para mim o problema são os impulsos. Aceito que se sempre fiz alguma coisa serei capaz de prosseguir realizando-a. Em meio a algumas dessas atividades mais ousadas pode acontecer a surpresa de verificar que já não é tão possível fazer tudo o que já fui capaz.

Sempre detestei fazer exercícios. Nunca frequentei academias. Mas, adoro correr. Há alguns anos era capaz de percorrer 20 km sem me cansar. Acho que há uns cinco anos passei a correr 4 km. Agora são 2 km e olhe lá.  Confesso já ter me passado pela cabeça deixar de correr e passar a simplesmente andar. Vejo pessoas idosas caminhando para fazer exercício. Tenho me recusado a entrar clube dos andarilhos. Sei que a minha recusa tem prazo de validade, mas vou me aguentando.

O que muda de verdade na velhice é o olhar. Percebo que os meus olhos não são os mesmo de antes. Agora mais comedidos parecem escolher o que vale a pena ser visto. Acho até que em certas ocasiões acabam deixando de lado coisas importantes. Esse modo de ser pode simular a outras pessoas algum descaso. No fundo trata-se de comportamento geral que não posso evitar. Dias atrás um rapaz, meu aparentado, falou-me sobre um grave problema que o atormentava. Achei o tal problema tão irrelevante e não pude evitar dizer a ele. Isso não soou bem. Vali-me na ocasião da experiência que bem ou mal adquirimos durante a vida. Parece aquela história do soldado que volta da guerra e ouve falar sobre um tiro no fim do quarteirão. Mas, só um tiro?

Em meio ao processo de envelhecimento aguardo aos próximos avanços de perdas irreversíveis. Na minha família nunca houve um caso de Alzheimer. É um consolo. Quero chegar ao fim pelo mesmo lúcido, com a cabeça funcionando corretamente. Talvez seja um om jeito para ver o fim das luzes.