perda de entes queridos at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para ‘perda de entes queridos’ tag

Afogamentos

escreva o seu comentário

Minha irmã liga, falando sobre o afogamento do ator Domingos Montagner.  O desaparecimento do conhecido ator comove o país. Ao banhar-se nas águas do Rio São Francisco Montagner não resistiu à violência da correnteza. Seu corpo foi encontrado, horas depois, submerso, junto a pedras.

Minha irmã diz que o afogamento do ator nos trouxe a morte de nosso irmão nas águas do Rio Paraíba, região de Pindamonhangaba. O então rapaz de pouco amis que 20 anos de idade se afogou ao nadar durante um piquenique com amigos. O relato foi de que pouco antes almoçara e, depois, resolvera nadar. Em vão os amigos esperaram pelo seu retorno.

Na época vivíamos num lugarejo situado nos altos da Mantiqueira. Meu pai recebeu o telefonema sobre o desaparecimento do filho no final da tarde. Em seguida viajamos para Pinda num jipe que enfrentou a difícil estrada de terra da serra.

Já noite chegamos à casa de minha avó onde encontramos familiares consternados. Mas, mantinha-se a esperança de uma boa notícia. Com o passar das horas o temor acentuava-se. Tarde da noite um tio, militar de profissão, chegou de São Paulo, trazendo dois escafandristas.

Meu pai seguiu com meu tio e os escafandristas para o local do desaparecimento. Ficamos à espera. Eu era um menino de sete anos e só me lembro de que, na madrugada, meu pai reapareceu e, enfim, tivemos a notícia. O corpo de meu irmão fora encontrado no fundo de um braço do rio, preso a uma cerca de arame.

O restante é inenarrável. Seguiram-se os trâmites da morte. O corpo trazido para casa foi banhado, seguindo o costume da época. Cena forte presenciei no banheiro no qual entrei inadvertidamente. Trago na retina a imagem de meu irmão morto, nu, rosto inexpressivo, braços caídos, sendo banhado pelos parentes.

O corpo foi velado na sala grande. Minha mãe demorou-se a ver o filho no caixão. Permaneceu o tempo todo num cômodo ao lado. A certa altura decidiu-se. Acompanhei minha mãe nesse momento inesquecível. Guardo a imagem dela acariciando a cabeça do filho, despedindo-se dele.
Jovem e muito conhecido, o enterro de meu irmão movimentou a cidade. Pela primeira vez presenciei a despedida de alguém a quem amamos no cemitério. Entardecia. Depois as pessoas foram saindo. Fomos os últimos. Iniciava-se o triste período no qual, em vão, os familiares tentariam consolar-se.

Todos morrem um dia, mas vivemos como se não acreditássemos nisso.

Cemitérios

escreva o seu comentário

Há quem passe ao largo deles. Mas, muita gente se demora a perder o vínculo com as pessoas queridas.

Na vida agitada dos dias atuais nem sempre tem-se tempo para reverenciar os mortos. Damo-nos conta disso quando comparecemos a um velório. Então trata-se de contato direto com a morte do qual não se pode fugir.

As circunstâncias do velório são devastadoras. Talvez por isso as pessoas aproveitem-se da oportunidade para reencontrar-se e falar sobre diversos assuntos. As conversas de velórios na verdade representam fuga à realidade da presença da morte. O que se quer é não pensar na própria vez de estar lá, no lugar do morto do dia, dentro do esquife que em pouco será fechado para sempre.

Dentro do caixão, inerte, está o falecido. Olhamos para a pessoa e nos damos conta de que deixou misteriosamente de existir. Lembramo-nos da pessoa viva, de suas lutas, suas falas, seus amores, seus ódios, suas disputas, do amor dela ao que possuía, das bebidas de que gostava, das músicas que ouvia… Mas, para quê? Teria apessoa pensado alguma vez que no fim tudo daria em nada, que da vida nada levaria, que em pouco ela seria passado e dela quase ninguém se lembraria.

Pois é, velórios são devastadores. Eles nos fazem ponderar sobre os nossos limites e o fato de que mais hora, menos hora, chegará a nossa vez. Mas, importa dizer que a vida é mais forte. Saímos do velório compungidos, entramos no carro ainda reflexivos, mas isso não dura.

Na medida que damos as costas à morte a vida nos ocupa com força e de novo estamos em nosso meio, o dos vivos. Então voltamos a experimentar a deliciosa sensação de eternidade, de obstáculos a transpor, de batalhas a serem vencidas.

Não importa que o que passamos a sentir não seja completa verdade. Fora do cemitério a vida é quem manda.