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O “Retrato do Brasil” de Paulo Prado

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“Retrato do Brasil” livro de Paulo Prado, publicado em 1928, permanece como leitura obrigatória aos interessados em compreender o país. A estirpe a que pertence o “Retrato do Brasil” é a de obras que procuram explicar o país, buscando no passado as raízes do modo de seu modo ser. Por essa razão Paulo Prado é sempre incluído nas coletâneas de ensaios sobre os chamados “intérpretes do Brasil” figurando ao lado de nomes como Euclides da Cunha, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, entre outros.

Se é verdade que “Retratos do Brasil” se ressente da falta de contato com as modernas linhas sociológicas já em andamento na época em que foi escrito, ainda assim não se pode negar seu valor. Embora as críticas que se fizeram ao livro já ao tempo de sua publicação e as que foram acrescentadas posteriormente o livro permanece dado seu vigor polêmico e o que representou dentro da estagnação cultural brasileira nos anos 20 do século passado. Se por um lado a Semana de 22 imprimira grande sopro de renovação na produção artística do país o fato é que seus efeitos não foram imediatos, afinal existia toda uma tradição romântica a ser removida e deixada para trás.

O retrato que Paulo Prado fez do Brasil é contundente. Começa o autor caracterizando o brasileiro como um povo triste a viver numa terra radiante. A partir daí propõe-se a buscar no passado as razões da tristeza, enfeixando-as em três grandes pilares: a luxuria, a cobiça e o romantismo.  

O quadro que Paulo Prado traça sobre a luxúria é desconcertante. Servindo-se de depoimentos de autores do passado Prado faz reviver o homem português do tempo da Colônia, nada mais que um aventureiro o qual, afastado das injunções sociais europeias, encontrou no novo continente terreno fértil para a prática de toda sorte de desregramentos. Na falta de mulheres brancas ligou-se ele às índias e, depois, às negras trazidas ao país como escravas. Desse desregramento e da sensualidade exacerbada surgiram as nossas primeiras populações mestiças. Segundo as palavras do autor, referindo-se à terra – possível paraíso - e aos homens que nela viveram:

“Paraíso ou realidade, nele se soltara, exaltado pela ardência do clima, o sensualismo dos aventureiros e conquistadores. Aí vinham esgotar a exuberância de mocidade e força e satisfazer os apetites de homens a quem já incomodava e repelia a organização da sociedade européia. Foi deles o Novo-Mundo. Corsários, flibusteiros, caçulas das antigas famílias nobres, jogadores arruinados, padres revoltados ou remissos, pobres diabos que mais tarde Callot desenhou, vagabundos dos portos do Mediterrâneo, anarquistas, em suma, na expressão moderna, e insubmissos às peias sociais, — toda a escuma turva das velhas civilizações, foi deles o Novo-Mundo”.

À luxúria somava-se a cobiça, busca de enriquecimento rápido. A ilusão da existência de grandes tesouros impulsionou o movimento de aventureiros que partiram em direção ao interior. Mas, os bandeirantes não eram movidos pelo desejo de conquista do território ou mesmo amor ao país. Na verdade tratava-se de missões coletoras, interessando aos aventureiros o ouro e nada mais, deixando atrás de si focos de lavoura incipiente e comércio rudimentar. Depois de dois séculos de busca infrutífera os aventureiros lograram descobrir as minas de ouro de Minas Gerais. Dali sairia o ouro que alimentaria a metrópole e deixaria na colônia um rastro de pobreza.

Luxúria e cobiça, esteios da história do Brasil, pais cujo destino ficara atado ao seu passado colonial. Luxúria, cobiça: melancolia - traço do caráter inconfundível do caráter dos brasileiros, um povo triste.

Por fim, o romantismo.  Foi num país “precocemente depauperado, exposto às mais variadas influências mesológicas e étnicas” que se assentou o mal romântico. Dele derivam os maus hábitos intelectuais dos brasileiros quais sejam o preciosismo da linguagem voltada para a grandiloquência, o lirismo pessimista e a retórica política:

“Entre nós, o círculo vicioso se fechou numa mútua correspondência de influências: versos tristes, homens tristes; melancolia do povo, melancolia dos poetas. A nossa primeira geração romântica já fora triste, porque religiosa e moralizante, observou José Veríssimo; na segunda, a tendência se acentuou pelo cepticismo e desalento dos chefes da escola. Perseguia-os a ideia contínua da morte próxima e, como a uma mulher desejada, lhe faziam versos amorosos”.

O livro termina com um “Post scriptum” no qual Paulo Prado propõe uma saída para a situação do país. Segundo acreditava a solução estaria na realização de uma revolução cujo resultado seria a ruptura com o passado através de transformações radicais nos campos político, econômico e intelectual.

Paulo Prado publicou o seu livro dois anos antes da Revolução de 30 da qual viria a discordar. “Retrato do Brasil” veio à luz num momento em que urgiam reformas dado o esgotamento da política oligárquica que ficou conhecida como “Política dos Governadores”. Prado pertencia a uma rica família de cafeicultores paulistas e fora um dos mentores e propulsores da Semana de Arte Moderna de 22. Seu livro carece de uma visão mais ampla dado que certos aspectos são deixados de lado, mormente o econômico. Nesse sentido a década seguinte, a de 1930, seria mais pródiga em estudos sobre o país, destacando-se a publicação de três que teriam, daí por diante, profunda influência sobre o pensamento brasileiro: Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre; Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda; e Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Junior.