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Mona Lisa

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Um parente dizia que o maior inimigo dos fantasmas é a luz elétrica. De fato no mundo iluminado de hoje parece que os fantasmas ficaram tímidos e não dão  as caras.

Na minha infância o mundo era mais escuro. Morando em cidadezinha do interior tínhamos fornecimento deficiente de energia elétrica. Eram comuns as tais quedas de fase que por vezes persistiam por longos períodos. Acresça-se a isso as lâmpadas fracas que conferiam aos ambientes aquele clima de velórios.

Nas casas de antes os fantasmas aproveitavam-se do escuro, ficando à espreita de incautos e, principalmente, de crianças temerosas. Histórias de medo eram contadas e repetidas numa época em que as pessoas reuniam-se para longas conversas após o jantar - tudo muito diferente de hoje quando a TV e outros eletrônicos tornaram os papos furados quase desnecessários.

Em menino eu tinha medo de almas do outro mundo. Para mim se alguém morria imediatamente passava a fazer parte do exército dos fantasmas, dedicando-se a assombrar os pobres vivos que ficaram no mundo. Claro que também temia vampiros, lobisomens e outros seres fantásticos sobre os quais corriam narrativas de terem sido vistos por alguém nas redondezas. O fato é que seu sempre colocava  alguns dentes de alho na janela do meu quarto de vez que, como se sabe, o alho afugenta vampiros. Crucifixos também.

Certas imagens me provocavam muito medo. Certa vez vi, pela primeira vez, uma fotografia da Mona Lisa do Leonardo da Vinci. Pois passei a ter medo daquele rosto com o sorriso enigmático que me parecia coisa do outro mundo. Quantas vezes, na cama e no escuro do meu quarto, eu pensava naquele rosto e temia que, de repente, ele surgisse em carne e osso pertinho de mim.

Agora leio que os cientistas acabam de descobrir o mistério do sorriso da Mona Lisa: a boca pode mudar de acordo com o ângulo em que é vista. A impressão de que a Mona  esteja sorrindo muda quando olhamos diretamente para a boca: o sorriso parece inclinar-se para baixo, mudando o formato da boca.

Essa descoberta de cientistas britânicos surge para esclarecer a razão do meu medo em relação à Mona Lisa. Era do estranho sorriso e da boca que parecia mudar de forma que eu tinha medo. Para mim Mona Lisa estava viva no quadro, tanto que sua expressão mudava dependendo do ângulo em que a olhava. Talvez ela fosse uma dessas mulheres condenadas a viver prisioneiras na tela de um quadro, vítima de algum feitiço grande. Claro que eu não tinha noção de que Leonardo tivesse usado técnica especial para chegar a esse incrível efeito, aliás, nem mesmo que o  efeito existisse.

A Mona Lisa que eu via quando criança tinha um sorriso estranho, coisa do outro mundo. A imagem dela se encaixava às maravilhas ao ambiente tão propício a histórias de medo que corriam ao tempo da minha infância.