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Há quem compare com o embarque num trem em viagem sem volta. Na estação final a morte espera pelos passageiros. Na mitologia grega o barqueiro Caronte ocupava-se da travessia do rio Aqueronte que separa os mundos de vivos e mortos. Sob a vigilância do barqueiro as almas dos recém-mortos a deixar o mundo que conhecemos.

O enigma da morte permanece. De modo algum se pode saber se, de fato, existe algo para além do momento em que alguém fecha, definitivamente, os olhos. Morre-se e ponto final. Simplesmente.

Ao observar a face do morto em seu esquife choca-nos o fato de tudo cessar. Não se trata apenas da imobilidade do corpo sem vida. Aquele cérebro que ainda há pouco comandava pensamentos e atitudes silencia-se, irremediavelmente. É o deixar de ser do morto que nos agride. Ele que tão bem conhecíamos deixa de existir. Tudo o que fora e acreditara apagara-se de repente. Por isso o observamos com cuidado e temor. No morto que se nos apresenta figura-se a imagem de nosso próprio destino. Ele, o morto, sou eu amanhã.

O homem que sofre com doença pulmonar levanta-se e vai ao banheiro. Move-se com dificuldade, apoiam-no a mulher e a filha. Quando volta reclama de fraqueza, tontura, falta-lhe o ar. As mulheres o fazem sentar-se por um instante. Ele fala com elas, está lúcido. Pede que o devolvam à cama, sendo atendido. Já deitado, roga pelo oxigênio que é colocado em seu nariz. Mas, é chegado o momento do embarque. O último olhar grava na retina a imagem da mulher e da filha. A morte chega assim, mansa e implacável.

Os detalhes de como tudo aconteceu me foram passados pela família do falecido. Não pude ir ao velório. Ainda agora, passados dois dias do desenlace, pesa-me o estranhamento provocado pelo fim da vida de alguém a quem queria tanto.

A vida é assim. A morte, imprevisível.

Escrito por Ayrton Marcondes

11 dezembro, 2019 às 2:13 pm

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