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A jaqueta de Michael Jackson

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O nome do lugar é Beverly Hills. É lá que se fazem leilões para vender pertences de gente famosa que, como se diz por aí, “já não estão entre nós”.

Tempos atrás foi aquele inesquecível vestido pregueado que Marylin Monroe usou no filme “O Pecado Mora ao Lado”. Todo mundo conhece a cena: o vento gerado pelo movimento de um trem passa pela grade da calçada sobre a qual está Marylin e levanta o vestido dela. Pronto: eis aí a eternidade surgindo de repente, sem aviso.

Milhares e milhares de fitas de celulose têm sido gastos para gravar – hoje tudo é digital - uma infinidade de filmes com cenas de todos os tipos. Entretanto, pode-se dizer sem medo de errar que a cena de Marylin na calçada, vestida de branco, sempre estará entre as melhores já filmadas, qualquer que seja o critério de escolha. E não é para menos: haja sensualidade, por isso Marylin foi, é e sempre será um mito.

Bem, esperava-se pelo vestido uma oferta de US$ 1 ou 2 milhões: foi arrematado por US$ 4,6 milhões. Só para constar: o vestido vermelho de Marilyn, de “Os Homens Preferem as Loiras” foi comprado por US$ 1,2 milhão.

Agora foi a vez de Michael Jackson. Lembra-se do casaco que ele usou durante a gravação de “Thriller”? Aquela jaqueta vermelha de couro? Ela mesma e sabe por quanto? Por US$ 1,8 milhão.

Quem arrematou a jaqueta do Jackson foi um empresário do ouro do Texas. Muito feliz com a aquisição ele declarou tratar-se de uma das mais importantes peças de memorabilia rock ‘n’ roll da história. No mesmo leilão foram arrematados outros objetos que pertenceram a Michael Jackson, entre eles uma luva de cristal que saiu pela bagatela de US$ 330 mil.

Tudo bem que o casaco usado pelo Michael Jackson é uma peça significativa da cultura pop como declararam os leiloeiros. Verdade, também, que, como foi dito, nenhum outro casaco é tão facilmente reconhecível ou tão relevante à história da moda. Mas, US$ 1,8 milhão?

Eis aí uma questão cuja profundidade escapa à maioria das pessoas entre as quais me incluo. Se perguntarmos a um adversário do imperialismo norte-americano sobre a venda do casaco é possível que ouçamos a velha ladainha dos males e deformações do capitalismo, críticas sobre a concentração da riqueza nas mãos das elites dominantes e por aí afora. Psicólogos encontrarão desvios na alma de pessoas que se entregam ao desvario de compras assim e haverá quem relacione a aquisição de pertences de celebridades a fetiches e coisas do gênero. Por outro lado, fãs de Michael Jackson dariam a vida para ter ainda que fosse uma meia suja usada pelo ídolo.

O que me leva a confessar um malfeito que fiz, muitos e muitos anos atrás. Uma prima adorava determinado cantor brasileiro que tinha por ídolo. Certo dia vi a assinatura do cantor na capa de um disco e fiz uma imitação razoável dela num guardanapo. Foi essa imitação que entreguei à minha prima, dizendo que por acaso vira o cantor e pedira a ele um autógrafo exclusivo para ela.

Era uma brincadeira que eu me propunha a esclarecer logo em seguida. Mas, a minha prima de tal modo ficou feliz com aquilo que não tive coragem de contar a verdade a ela. Era para ser um trote, ficou como verdade. Éramos muito jovens na época e não sei se ela ainda mantém nos seus guardados o tal guardanapo. Em todo caso eis que, via jaqueta de Michael Jackson, estou finalmente confessando o meu malfeito.

A minha opinião sobre o leilão da jaqueta do Michael? Cara, coisa estranha, muito estranha.

Brian Wilson Reimagines Gershwin

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Aí está Brian Wilson reinterpretando a obra dos irmãos George e Ira Gershwin, naquilo que se convencionou chamar de “re-imaginação das músicas dos Gershwin”. O álbum se chama “Brian Wilson Reimagines Gershwin” e se compõe de doze faixas re-imaginadas pelo gênio de Brian.

Não deixa de ser emocionante ouvir a “Rhapsodhy in Blue”, de George, vertida pela imaginação de Brian. Trata-se do encontro atemporal de dois gênios. George Gershwin (1898-1937) compôs para a Broadway e músicas clássicas e populares. Suas composições têm sido gravadas ininterruptamente por artistas de renome e são muito conhecidas. Muita gente ouve composições como “Summertime” e “Love Is Here To Stay” sem identificá-las como de autoria de Gershwin.

George Gershwin morreu precocemente, aos 38 anos, de idade, vitimado por um tumor cerebral. Na ocasião estava em Hollywood, trabalhando numa partitura, e sofreu um colapso; a morte sobreveio durante cirurgia para retirada do tumor.

Brian Wilson é o grande criador dos Beach Boys que mudaram os rumos da música pop nos anos 60. Considerado um dos mais criativos e influentes compositores do século XX, Brian atingiu limites inimagináveis para a sua época com composições incríveis. O álbum “Pet Sounds”, de 1966 é tido como marco da música contemporânea e, quando não o primeiro, o segundo maior de todos os tempos.

Entretanto, o Brian Wilson que se ocupa da obra de Gershwin pode ser considerado como um renascido. No final dos anos 60 Brian começou a apresentar problemas mentais com lapsos que determinaram o fim de sua exuberância criativa. Seguiram-se surtos de depressão e psicose que evoluíram por cerca de 30 anos de tratamento psiquiátrico, internações e desintoxicações. Vez por outra Brian tinha momentos criativos, mas sem o lampejo de antes. Só depois do longo período de afastamento Brian voltou a se apresentar, embora ainda tenha algumas restrições, seqüelas de sua doença. Em 2004 decidiu terminar um álbum interrompido em 1967, denominado “Smile” que, quando lançado, foi aclamado pela crítica e milhares de fãs. Mas, o trabalho original de “Smile” só pode ser retomado com a ajuda de outros músicos dadas as dificuldades de concentração de Brian.

Em “Brian Wilson Reimagines Gershwin” Brian não se apresenta como simples cover dos tradicionais sucessos de George Gershwin. Embora o álbum tenha caráter romântico Brian foge do lugar-comum de muitas interpretações correntes e, mais que isso, reconstrói duas músicas inéditas de Gershwin:The Like in I Love You” e “Nothing But Love”.

Existe um ensaio intitulado “Os Construtores do Mundo” o escritor austríaco Stefen Zweig (1881-1942) afirma que o século XIX não gostava de seus gênios. Cita como exemplos da mão pesada do século, entre outros, o grande poeta e romancista alemão Friedrich Hölderlin (1770-1843), que enlouqueceu aos 35 anos de idade, e o escritor russo Alexandr Serguéievich Pushkin (1799-1837), abatido num duelo em defesa da sua honra.

Não posso deixar de ver no fato de Brian Wilson interpretar tardiamente Gershwin uma ligação estranha entre gênios de alguma forma roubados à sua arte por fatores que afetaram dramaticamente os seus cérebros e criatividade, um deles morrendo, o outro sendo condenado a duradouro exílio criativo.

Michael Jackson, um ano depois

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michael-jacksonAs circunstâncias da morte de Michael Jackson talvez nunca venham a ser esclarecidas. O segredo sobre os últimos momentos do pop star pertence a poucas pessoas que o acompanharam, destacando-se o médico Conrad Murray, formalmente acusado de homicídio culposo.

Um ano não é tempo suficiente para estimar com certeza a sobrevida de Jackson no mundo pop. Entretanto, pelo que se tem observado, o cantor continua mais que vivo na mídia e faturando alto. Por ocasião do primeiro aniversário de sua morte os seus passos mágicos de dança são exibidos em vários canais de televisão e suas músicas são tocadas no rádio. Como se suspeitava a morte física de Michael parece não ter influído na permanência do pop star. Existia, portanto, uma separação tênue entre o ídolo e o homem, de tal modo que não seria tão absurdo esperar-se que um dia desses ele se levantasse de sua tumba e voltasse a dançar.

Será talvez exagerado afirmar que o fenômeno da sobrevida da obra a quem a produziu seja condição intrínseca a uns poucos mortais que se destacaram pela grandiosidade das suas produções. O fato é que aqueles que muito se destacam tornam-se inseparáveis da obra que produziram daí sobreviverem através dela. Trata-se de uma forma de imortalidade que prescinde da presença física do artista. Quando se observa, por exemplo, um quadro de Andy Warhow é quase impossível dissociá-lo do artista que o produziu: o rosto de Warhow parece sempre estar por detrás da tela, olhando-nos, medindo as nossas reações à sua arte.

Talvez tenha citado justamente Warhow porque o mundo pop possua encanto e ligação mais direta com as nossas emoções. A desconstrução obstinada de modos de ser que dialoga com a busca da perfeição, gerando mensagens contraditórias e destoantes, empresta-nos permanente sensação de rebelião e novidade. É assim que se realiza o nosso ajuste de contas com o cotidiano sufocante em que vivemos. A arte pode ser entendida de vários modos, talvez o mais importante deles seja o de transporte do espírito da realidade objetiva a um patamar que nos faça sentir superiores à nossa própria condição.

Michael Jackson foi um desses seres enviados para fazer-nos suportar o grave peso da mesmice dos dias. Ser contraditório, indefinido, passeou alegremente entre os estereótipos de homem e mulher, de ser real e imaginário. É justamente essa indefinição que garante a sua sobrevida porque Michael terá sido um desses poucos seres que afrontaram a barreira da morte, fazendo dela simples passaporte para continuar mais vivo do que nunca.