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Desembarque

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Você fica ali, na área de desembarque, esperando a pessoa a quem veio buscar. O voo está previsto para chegar às 16 horas e o quadro de avisos informa que o pouso está confirmado para esse horário.

Você fica o tempo todo em pé e as pernas doem. A cada instante chegam mais pessoas que vêm para buscar passageiros. Do nada forma-se uma multidão que de repente é espremida  num canto porque aparece uma turma de fiéis de alguma religião. Eles estão vestidos a caráter, carregam instrumentos e logo começam a cantar e dançar. A música que cantam é monótona, os acordes do acordeom, dos sinos e do bumbo são repetitivos, cansativos.

Meia hora se passa e a pessoa a quem você veio buscar não aparece. Agora está difícil ver as pessoas que desembarcaram porque se formou um túnel ladeado por gente que parece ter entrado no ritmo do canto dos fiéis. Logo surge uma senhora e algumas pessoas explodem em gritos de alegria. Você observa várias pessoas que abraçam a mulher que acaba de desembarcar, parece que a família inteira se locomoveu ao aeroporto para esperá-la.

A essa altura o ritmo da música cantada tornou-se frenético, na verdade irritante. Ouve-se um homem perguntar à mulher que o acompanha por que diabos ele é obrigado a ouvir aquilo. Você é tentado a dizer alguma coisa, concordando com ele, mas é quando surge o homem a quem os fiéis esperam. Ao ver o tipo metido dentro de uma túnica vermelha os fiéis não se contêm e todos passam a pular, o recém chegado também. Trata-se de momento de exaltação religiosa, como se os presentes tivessem adentrado o templo de uma seita.

Você está enfarado de tudo isso, quer ir embora, mas a pessoa a quem veio buscar demora-se. Outros passageiros aparecem no túnel, agora a felicidade parece ser geral. Até que, ao fundo surge aquele a quem você espera. Você não o vê há dois anos e não há como conter a emoção de reencontrá-lo.

Depois a vida segue o fluxo de sempre, o trânsito para o centro, as novidades trocadas em conversa animada e regada por muitas saudades. Então você já não se lembra da turma de fiéis cantando, do ritmo atroz de suas músicas, do homem de túnica vermelha que chegou pulando e cantando, da estúpida complexidade conferida a um momento tão simples quanto aguardar a chegada de um parente no aeroporto.