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A morte continuada de Getúlio Vargas

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Já se escreveu mais sobre o suicídio de Getúlio Vargas, em agosto de 1954, do que se pode imaginar. Historiadores se ocupam do último governo de Getúlio, levado que foi ao poder pelo voto popular; romancistas utilizam o cenário do final do governo de Getúlio, as agitações políticas, o crime da Rua Tonelero, figuras como as de Carlos de Lacerda, Gregório Fortunato e a de vários militares em suas narrativas. Em todos os trabalhos destaca-se a intenção de eternizar os acontecimentos do dia 24 de agosto, data do suicídio do presidente.

A “Carta Testamento” de Getúlio permanece como profissão de fé de um homem que deu a sua vida pelo país em nome dos trabalhadores. O fato é que Getúlio Vargas tornou-se, “ao sair da vida e entrar na história” o mais emblemático personagem da história recente do país.

Vai daí que o Museu da República, instalado no antigo Palácio do Catete, foi transformado, há alguns anos, numa extensão do túmulo de Getúlio. O quarto onde o presidente se matou permanece intacto, com os mesmos móveis, compondo uma atmosfera sinistra pela qual passam diariamente inúmeras pessoas.  Antes de chegar a ele, último pórtico da visita ao palácio, o visitante passa por salas onde encontra fotos de Getúlio, trechos de seus pronunciamentos etc. Há, portanto, uma espécie de imersão no mundo em que Getúlio viveu, servindo como preâmbulo à chegada ao quarto onde ocorreu o desfecho fatal.

Não há, durante o trajeto que leva ao quarto, como não se pensar na historia do país, nos homens que escreveram essa mesma história com os seus atos e nas multidões desaparecidas que se empolgaram com os acontecimentos de então. É como se a voz de Getúlio ecoasse de um mundo desfeito para dizer que o Brasil foi assim e talvez continue a ser assim.

De modo que, ao adentrar o quarto, está o visitante imbuído da atmosfera de luto acontecida em 1954 e não será demais dizer que ele saia de lá esperando encontrar, fora do palácio, multidões comovidas e chorosas pela perda de um grande ídolo nacional.

A permanente atmosfera fúnebre criada em torno de Getúlio Vargas tem muito de culto a alguém deificado pelas multidões cujas circunstâncias da própria morte - assim entendem os organizadores do trajeto do Palácio do Catete - devem ser preservadas. Para isso certamente concorre o retorno ao palácio do pijama usado por Getúlio no momento em que atirou em seu próprio coração. O pijama de seda acaba de ser restaurado e foi devolvido ao museu para que os visitantes possam ver as machas de sangue do presidente e o buraco por onde atravessou o projétil.  Está lá, portanto, ao alcance dos olhos de quem quiser ver, uma peça da tragédia como a atestar a existência real de um mito.

Há muito de lúgubre no cenário preservado no Catete para o qual convergem visitantes – cinquenta mil em 2008, segundo informações. Pode ser que as coisas estejam bem como estão, mas Getúlio talvez merecesse outro tipo de memória que não a consolidada em torno de seu último ato.

Tancredo Neves, que foi ministro durante o governo de Getúlio, morreu muitos anos depois dele num momento em que o país depositava muita esperança em seu governo por se iniciar. A morte de Tancredo de tal forma alterou os destinos do país que até hoje figura-se como capricho da história, talvez traição dela em relação ao povo brasileiro.

Tancredo repousa em seu túmulo no pequeno cemitério da igreja de São Francisco de Assis, em São João Del Rei. A cidade homenageia Tancredo com um museu onde são mostrados aos visitantes cenas e fatos importantes da vida do político mineiro.

Creio que a posteridade favoreceu mais a Tancredo Neves que a Getúlio Vargas cuja memória de seu suicídio celebra-se ininterruptamente no local onde ocorreu a histórica tragédia.