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A mulher sem cabelos

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O cantor Sérgio Reis fala sobre a velhice: ficar “veio” é uma desgraça. Acrescenta histórico sobre doenças e cirurgias a que foi submetido. Numa queda quebrou costelas e teve perfuração dos pulmões. Outra cirurgia envolveu os ossos do quadril. Sobreviver é difícil. Mas, aos 78 anos, o cantor segue ativo. Prepara-se para novos lançamentos. A vida é bela.

Na sala de espera de uma clínica de reabilitação eu me sento perto de uma senhora que não tira os olhos de mim. O tempo passa e ela firme em mim. Estamos sós. A certa altura ela me pergunta se me lembro dela. Olho para a senhora e reparo que não tem cabelos. Percebendo, ela se explica: final de tratamento de câncer, felizmente curado.

Ah! Suspiro sem saber o que dizer. Ia pergunta sobre que tipo de câncer, mas me retraí. Afinal… Bem, quem era mesmo aquela mulher?

Então ela me olha bem nos olhos e pergunta: não se lembra de mim?

Coisa chata, não? Por que deveria me lembrar? Será que teríamos, em algum passado remoto, nos conhecido? Mãe de algum amigo do meu filho? Teríamos trabalhado juntos? Eu não me lembrava dela, não. Acabei confessando.

Ela sorriu. Reconheceu que o tempo passa. Depois me perguntou se de fato não me lembrava que, certa ocasião, estivemos muito próximos. Estávamos numa festa e eu lhe dera carona para levá-la à casa onde não chegamos. Paramos num bar, tomamos algumas. Depois…

Pois é. Eu forçando a memória até me lembrar daquela noite, daquela moça bonita. Sim, aconteceu. Então, tivemos… Deve ter sido bom.

Restava entre mim e a mulher sem cabelo pontas de caso mal resolvido. Eu simplesmente não me lembrava de quase nada. Não restavam vestígios naquela senhora da moça que fora.

Para minha alegria a mulher da recepção disse o meu nome e fui chamado para a sessão de fisioterapia. Ao me levantar fui acompanhado pela mulher sem cabelos. Em pé, perto de mim, ela me encarou. Por um instante pareceu-me tê-la, finalmente reconhecido. Mas, não, não tenho certeza. Entrei, sem me despedir.

Sérgio Reis tem razão: ficar “veio” é uma desgraça.

Escrito por Ayrton Marcondes

23 maio, 2018 às 9:10 pm

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