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O motorista

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Não demorou a soltar a língua. Percorria o trajeto entre o meu trabalho e minha casa, dirigindo devagar. Era desses motoristas cuidadosos que por vezes esmeram-se demais. Foi o caso da parada para esperar que um carro saísse da garagem e alcançasse o meio-fio. Pareceu-me que o motorista do tal carro não tinha a menor pressa. Atrás de nós uma fila de veículos, todos eles buzinando. Mas, o motorista do Uber não se abalou, nem praguejou. Seguimos adiante quando a pista ficou livre.

Contou-me que fazia o Uber nas horas vagas. Engenheiro de profissão trabalhava como calculista numa empresa pública. Aliás, ele e a mulher, também engenheira, também calculista. Conhecera-a no trabalho, enamorara-se dela e acabara se casando.

Perguntei se o que ganhava como engenheiro não seria o suficiente. Ele riu. Disse-me que ganhava bem. Entretanto, o Uber? Ora, era o jeito de ganhar algum por fora. De ter o seu dinheiro para a reunião semanal com amigos. Gostava de jogar futebol. Reuniam-se nas noites de quinta. Depois da pelada a cervejada no bar de costume. Precisava do dinheiro para não misturar com as despesas de casa. Do que é o “certo”, disse.

O problema era justamente a mulher. Ela pegava no pé dele. Não lhe dava folga. Ontem mesmo, chegara em casa depois do serviço e já ia para a rua com o carro para fazer o extra. A mulher o viu na porta e o fez retornar. De jeito nenhum permitia que ele saísse para trabalhar. Eram seis da tarde, hora da família, dos filhos. E do cachorro que esperava pela volta no quarteirão. Não teve jeito.

Confessou ser louco pela mulher. Emendou dizendo que para conviver tem que se fazer vista grossa. Casamento só vai adiante se você não discutir porque mulher é assim mesmo. Bem que o pai o avisara de que homem nunca deve deixar a mulher saber quanto ele ganha. Pois não aconteceu de a mulher ter encontrado a caixinha onde ele guarda a féria conseguida no Uber?

Pois ela ficou muito brava. Ele escondendo o dinheiro dela. Não é que ela se apropriou daquele dinheiro? Foram ao mercado fazer compras para a casa com o dinheiro que ela achou.

O casal tem três filhos, um deles já na faculdade. A filha se prepara para fazer medicina. Comentamos sobre o alto preço dos cursos particulares de medicina, em torno de R$ 6 mil mensais. O motorista diz que a filha tem que estudar muito para conseguir vaga em escola pública.

Enfim chegamos ao meu destino. Despedi-me do motorista, sujeito muito boa gente. Vai driblando as adversidades. A seu modo consegue ser feliz. É o que me diz quando nos despedimos: a gente tem que fazer força para ser feliz senão a vida não serve para nada.