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A qualidade da programação da TV

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No prefácio de “O Mundo Moderno – Dez Grandes Escritores”, de Malcolm Bradbury, Melvyn Bragg fala da televisão como alvo de esnobismo. Nesse texto, de 1987, Bragg destaca o fato de a televisão ser considerada um meio de divulgação novo, ao qual praticamente toda gente tem acesso, mas em cuja tela se vê de tudo, do lixo ao mais sublime. Daí o esnobismo de setores culturais em relação à TV, repetindo-se aquilo que aconteceu entre a gente de teatro em relação ao cinema em seus primórdios.

Ao escrever o prefácio Bragg tinha em perspectiva a produção de uma série de programas de arte para a televisão, destacando a oportunidade de a TV proporcionar uma atitude compreensiva com os programas dirigidos às minorias. Importa destacar que o texto de Bragg refere-se exclusivamente a um momento em que a televisão britânica reunia condições de produzir programas a serem exibidos com alguma flexibilidade de horários e mesmo contando com pequenas audiências. Em todo caso, a premissa das equipes envolvidas na produção de programas de arte era fazê-los do modo mais escrupuloso possível, assemelhando-os a produções teatrais e documentários da melhor qualidade.

Quase trinta anos depois da publicação do prefácio ao livro de Bradbury a temática então abordada por Bragg ainda se impõe. Obviamente, muita água passou por debaixo da ponte nesse longo período. Novos meios de comunicação se expandiram e a evolução da informática abriu aos cidadãos do mundo uma infinidade de opções de contato. A televisão mudou substancialmente durante esse tempo não só pela revolução tecnológica de que se beneficiou, mas por ter se tornado possível a instantaneidade da informação, aliada à enormidade de recursos de produção com grande qualidade de imagem. Paralelamente, o mundo mudou e muito, sendo o foco de atenção, antes mais voltado para os países desenvolvidos, dividido com economias emergentes e mesmo com grande parcela nas minorias que tiveram acesso a aparelhos de TV e recepção de vários canais. Basta lembrar a verdadeira invasão das favelas por bens de consumo, antes inacessíveis a seus moradores, para se demonstra o quanto se ampliou a teia global de espectadores.

O que não se pode olvidar é a existência de uma imensa legião de espectadores de televisão distribuídos segundo nova estratificação social decorrente de mobilidade em sentido ascendente dos segmentos de menor renda. No Brasil destaca-se o crescimento da chamada classe C, imediatamente seguido pelo das classes D e E. Esse novo contingente de consumidores tem chamado a atenção de vários setores, obviamente interessados em dele aproximar-se visando a ampliação de seus negócios ou interesses diretos. No caso da política, por exemplo, trava-se nesse momento embate entre os partidos no sentido de direcionar seus discursos às classes emergentes, conquistando os seus votos. Recente artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso causou celeuma por ter ele dito que seu partido, o PSDB, deveria conquistar espaço entre segmentos das classes emergentes, deixando de lado o chamado povão. Ao que reagiram seus adversários, espertamente distorcendo o significado das palavras dele para, ao final, adotar junto aos seus partidários justamente a linha de propaganda sugerida pelo ex-presidente.

Mas, o nosso assunto é TV e com tantos arrazoados já não nos resta muito espaço. O fato é que as emissoras de televisão, atentas à nova estratificação social, procuram condicionar suas programações aos anseios do público predominante que as assiste. Isso ficou muito claro em recente entrevista do Diretor Geral da Rede Globo, Sr. Octávio Florisbal, quando falou sobre s mudanças de programação, visando atingir a classe C. Sempre atenta à mobilidade social, envolvendo as classes C, D e E, a Globo tem detectado nelas mudanças de comportamento e valores. Em decorrência disso e novos hábitos de consumo a Globo tem mudado a sua programação de modo a atendê-las. Segundo o diretor tanto na dramaturgia quanto no jornalismo o imperativo é a necessidade de aproximação desse novo público, deixando-se de lado algo mais geral em favor de produções mais específicas. Nesse sentido as palavras do diretor são contundentes:

- Eles têm que ver a sua realidade retratada nos telejornais. Eles querem ter uma linguagem mais simples, para entender melhor.

Diante disso a questão que se impõe é possibilidade de maior banalização da informação e perda de qualidade artística da dramaturgia. Se levarmos em conta a competição entre os canais da TV aberta associada à necessidade de conquista de maior audiência – destaque-se que as classes C, D e E constituem-se em 80% da população – evidencia-se o afastamento da programação de TV de critérios educativos e artísticos. Trata-se da produção em massa e para as massas, distanciando-se da premissa de oportunidade de a TV proporcionar uma atitude compreensiva com os programas dirigidos às minorias, citada anteriormente.

O Brasil vai bem, é com satisfação que se assiste à mobilidade social ascendente cuja tendência é a redução da disparidade econômica da população, afastando as camadas menos favorecidas da pobreza. Por outro lado, abre-se uma grande discussão nacional sobre como lidar com a revolução social em trânsito. É grande o papel dos meios de comunicação a desempenhar nesse momento de transição, cabendo a eles responsabilidade em relação ao aprimoramento cultural da população. Esse fato não pode ser ignorado e reveste de enorme responsabilidade social a linha de trabalho a ser adotada pelos veículos de comunicação de longo alcance no país.