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In-justiça

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Na delegacia o preso passa mal. Em pouco os policiais percebem que o preso na verdade tem fome. Passa mal porque não come há três dias.

A história do preso é simples.  Eletricista de profissão, largou o emprego para cuidar da mulher acidentada. Um ano depois a mulher mora com a família e o preso com o filho pequeno. Desde então não conseguiu empregar-se. Vivem, ele o filho, em extrema penúria - é o que o preso conta aos policiais.

O preso está na delegacia porque tentou roubar carne de um supermercado. A situação dele comove os policiais que fazem vaquinha para pagar a fiança. Depois levam-no para casa onde constatam a falta de tudo: na geladeira só uma garrafa com água; inexistem artigos para higiene pessoal tais como sabonete, pasta de dente, escova…

Os policiais fazem a segunda vaquinha e levam o preso ao supermercado para que ele faça compras. O preso, agora livre, não acredita no milagre. O caso chega à mídia e comove o país.

Para a Justiça o eletricista cometeu crime cuja pena prevista é a de 1 a 4 anos de prisão. Para os homens trata-se de um pobre coitado levado ao crime pelo desespero. A fome geriu os seus atos.

Não há como ficar indiferente a um caso desses. Sabemos que a fome persiste no país e muita gente não tem acesso aos mínimos recursos. O discurso sobre a necessidade de igualdade social não passa de um discurso.

O eletricista que roubou carne trouxe-me de volta um rapazinho que trabalhava na mesma empresa que eu. Naquela época eu ganhara algum peso e precisava me cuidar. Daí que no momento do lanche comecei a tirar o miolo do pão para ficar só com a casca. Quando viu isso o rapazinho me olhou apreensivo e disse:

- Não faz isso não, senhor, não jogue pão no lixo.

Era ele o mais velho da irmandade de seis. Gente pobre, paupérrima como vim a saber depois. Passavam fome. Inaceitável para ele um naco de comida jogado no lixo.

Nunca me esqueci do rapazinho a quem nunca mais vi.