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As contas que pagamos

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Muita gente não se dá ao trabalho de vincular os impostos que paga ao dinheiro público empregado de mais variadas formas. Quando lemos, por exemplo, que o governo anunciou empréstimo de quase 4 bilhões, via BNDES, à empresa petroleira estatal venezuelana PDVSA, com vantagem de que não gozam as empresas brasileiras, dificilmente associamos esse ato a um patrimônio público. O mesmo acontece quando estão em pauta enormes desvios de verbas públicas em atos de corrupção que levam anos para serem apurados, ficando impunes os envolvidos. Exemplo maior é o do mensalão que devagar e sempre vai sendo negado, a tal ponto que elementos-chave do processo de corrupção estão sendo novamente abrigados em seus partidos de origem. Nada como um povo ordeiro e portador de boa vontade para, senão perdoar, dar por vencidas as faturas morais e pecuniárias não saldadas pelos bandidos de plantão.

Agora estão em pauta os salários pagos a pessoas que ocuparam o cargo de govenador nos estados. Revela-se que muitas delas exerceram a governança transitoriamente, muitas vezes por não mais que trinta dias. Apesar desse fato, todas essas pessoas passaram a ter direito a pensões vitalícias da ordem de 15 mil reais ao mês. Existe muita gente nessa condição, mamando nas tetas do Estado, beneficiando-se com o dinheiro arrecadado pelo governo. Temos, pois, enquanto cidadãos contribuintes, parte nesse latifúndio, sendo o meu e o seu rico dinheirinho utilizado para pagá-los.

Pode parecer bobagem dizer isso, afinal quanto do meu dinheiro está envolvido numa transação dessa natureza? Mas, não é não. A justa indignação dos cidadãos diante do descalabro que vem sendo noticiado pela imprensa prende-se justamente ao fato de se trata de dinheiro público e, mais que isso, as benesses absurdas que alguns recebem não são extensivas à população - o que seria também outro absurdo.

Claro que, em contrapartida, existe a questão de direitos adquiridos segundo a legislação vigente. Também não é desprezível o fato de que alguns homens públicos ocupam cargos durante muitos anos em detrimento de seus interesses pessoais. Mas, diga-se tudo e ainda será pouco para encobrir o descalabro das pensões vitalícias a ex-governadores.

Isso tudo me faz pensar nos primeiros mandatários da República brasileira cuja probidade estava acima de tudo. O Marechal Floriano Peixoto, segundo presidente da República governou o país com mão de ferro num período turbulento, marcado por revoltas. Jamais morou em palácio e fazia uso do transporte público para o trajeto entre sua casa e a sede do governo. Quando morreu estava pobre e suas filhas precisaram da ajuda de amigos da família para sobreviver. O presidente Campos Salles recebeu o país praticamente falido e fez um duro governo de contenção de gastos, sendo muito criticado por isso. Entretanto, Campos Salles logrou sanear as finanças de modo que seu sucessor, Rodrigues Alves, pode fazer um bom governo no qual a cidade do Rio de Janeiro, então capital do país, foi modernizada.

Quando Campos Salles saiu do governo estava pobre. Ofereceram a ele serviço em banco, mas não pode aceitar porque entendia que, recém-saído do governo, era detentor de informações privilegiadas. Algum tempo depois, veio visitá-lo, em sua casa em São Paulo, o ex-presidente da Argentina, Julio Roca. Aconteceu a Roca penalizar-se com a condição em que vivia o amigo, uma casa pequena e muito simples, ele que há tão pouco tempo fora chefe de estado da nação brasileira.

Mas, agora, a época e os homens são outros.

A arte da mentira

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Há alguns meses meu filho que estuda na Austrália me ligou informando que sua “girlfriend” estava grávida. Não se preocupe, pai, disse-me ele na ocasião. Está tudo bem, veja pelo lado bom: além de gostar dela vou me casar e com isso terei direito à cidadania australiana.

Sabe como é: uma coisa dessas funciona como um petardo enviado por telefone, ainda mais quando o filho tem apenas 21 anos. Mas que dizer? Está feito, está feito e pronto, não é possível parar o tempo etc. Ele parecia feliz, ia ser pai e eu avô de uma criança australiana, pena que tão jovem, tão cedo, mas nem isso consegui dizer, afinal a vida tem dessas.

Depois que o felicitei - meio sem jeito e dizendo que o negócio é bola pra frente - essas coisas que dizemos quando as palavras falseiam e nos deixam embasbacados, ele começou a rir e disse:

- Pai é mentira. Hoje é primeiro de abril.

Ah, estivesse ele perto e levaria uma paulada na orelha. A partir daí a conversa mudou e me esqueci do fato até ler um artigo publicado pelo “El Pais”, em 15/11, cujo título é “Todos mentimos, o que muda é a dose”. No artigo é citado o livro “The Liar in Your Life” (O mentiroso na sua vida) de Robert Feldman, professor de psicologia na Universidade de Massachusetts, no qual o autor afirma que mentimos entre duas e três vezes em uma primeira conversa de dez minutos com um novo conhecido.

O artigo também afirma que mentimos porque há público. Acrescento que, em alguns casos, a mentira torna-se meio de autopromoção, sendo objetivo do mentiroso elevar-se diante do público que o cerca. Exemplifico: conheci um camarada que se dizia amigo íntimo do poeta Vinicius de Moraes a quem, tenho certeza, ele nunca viu. Por ocasião da morte do poeta o fulano apresentou-se consternado na empresa em que trabalhava. Ato contínuo, simulou um telefonema para a filha de Vinicius que, pelo visto, o atendeu prontamente. A conversa foi longa e em tom de voz suficiente alto para que todos os presentes ouvissem. Acontece que a linha telefônica por ele utilizada tinha uma extensão através da qual se podia ouvir o fulano falando, tendo como resposta o tradicional sinal de ocupado.

Entre os mentirosos muito me atraem os criativos. Numa época em que trabalhávamos numa empresa cujo horário de entrada era impreterivelmente sete da manhã, certo dia um colega de trabalho chegou atrasado e saiu-se com uma história interessante: ele acordou tarde, saiu depressa do sobrado onde morava e esqueceu os documentos. Nervoso, gritou para a mulher, que ainda dormia, para que jogasse os documentos pela janela do andar superior. A desgraça foi que, ao caírem, os documentos ficaram presos na fiação externa da linha telefônica. Imagine-se o desespero do meu colega de trabalho, correndo para arranjar algo longo, uma vara talvez, que permitisse a ele recuperar os seus documentos. Mas, o interessante é que ele acabou conseguindo, só que, desta vez, tornando-se vítima de outro incidente: enquanto recuperava os documentos, deixara aberta a porta do carro por onde entrou o seu enorme cachorro que se acomodou no banco traseiro. Imagine-se a dificuldade para tirar o cachorro do carro e, aí sim, sair às pressas para trabalhar num lugar onde, sabidamente, era obrigatório chegar pontualmente…

Mente-se para ser agradável, por amor, para ser educado, para safar-se de situações indesejáveis, para trair, para incriminar pessoas, pela mania de grandeza ou simplesmente pelo prazer de mentir. Inúmeras causas levam uma pessoa a mentir e para algumas delas a mentira torna-se um hábito. Nesse caso, mente-se indiscriminadamente tornando-se a mentira verdadeira muleta de apoio para os seus usuários.

A teoria da mentira é vasta podendo-se dividi-la em capítulos. Falar sobre ela partindo-se das generalidades para os temas específicos é obra de fôlego que deixamos por conta de especialistas. Vale lembrar, em vôo distante e jamais rasante, que uma mentira gera outras e as que envolvem muitas pessoas são as de maior risco para o impostor.

De todo modo existe algo que muito me impressiona em certas mentiras: acontece quando uma pessoa inventa uma versão sobre um fato que lhe foi desvantajoso e, à custa de repetição, passa a acreditar nele. Vi isso acontecer inúmeras vezes e suponho que essas pessoas, caso fossem submetidas a um detector de mentiras, não se revelariam mentirosas tal a sua convicção sobre a versão inventada. O mais interessante é que coisas assim acontecem também a pessoas que não têm na mentira um hábito: serviram-se dela num momento de pressão e transformaram em verdade absoluta uma versão favorável a si mesmas, ainda que em detrimento da verdade.

Ultimamente tenho pensado na mentira enquanto observo o cotidiano político do país. A minha curiosidade é aguçada toda vez que vem à baila o episódio do mensalão. Esse é um episódio em que uma das facções em oposição está mentindo e é preciso, em prol do interesse público, que se estabeleça a verdade.

A negativa da ministra-chefe

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O depoimento da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff como testemunha no processo movido pelo Ministério Público contra 39 réus no caso do mensalão constitui-se numa peça e tanto pela natureza do seu conteúdo.

A ministra-chefe negou a existência do esquema do mensalão, dizendo ser impossível que partidos políticos exigissem “vantagem financeira”; afirmou que ex-ministro da Casa Civil e deputado cassado José Dirceu (PT-SP) é um “injustiçado”; negou conhecer o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, tido como o “operador” do esquema do mensalão; elogiou deputado Paulo Rocha (PT-PA), que renunciou ao mandato para se livrar de condenação na época do escândalo do mensalão; e defendeu o ex-deputado Professor Luisinho (PT-SP), que não se reelegeu depois da denúncia do mensalão. São informações publicadas pela imprensa.

E agora? O que nos resta para pensar? Senhora ministra-chefe, a senhora que é pré-candidata à presidência da República, considere, por favor, a situação em que ficamos todos nós, os eleitores que votarão em 2010. Afinal, em quem devemos acreditar? No depoimento que a senhora fez sobre o mensalão aí Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede provisória da presidência da República, em Brasília? Ou em tudo o que aconteceu naquele terrível espaço de tempo durante o qual a República teve aberto o seu ventre para a exposição de acusações terríveis que tanto nos chocaram?

Eis aí uma situação que se enquadra à perfeição dentro de um sistema binário do tipo aconteceu/não aconteceu, verdade/mentira etc. Num sistema desse tipo está-se no território que os matemáticos chamam de eventos mutuamente exclusivos, nos quais a ocorrência de um significa a não ocorrência do outro. Enfim: se existiu ou não o mensalão, e ponto final.

Dirão que não é tão simples, o evento em questão é muito complexo, etc. Mas numa coisa devemos insistir: detalhes à parte, nós precisamos saber se afinal houve ou não o mensalão porque o que está em jogo é a confiança que temos nas instituições, nos políticos, nos candidatos que se apresentarão às próximas eleições e, por que não, na imprensa.

O povo brasileiro é calmo e ordeiro, gosta de festa, adora foguetório e quase sempre esquece muito depressa tudo o que acontece, especialmente aquilo que o incomoda. Mas a história do mensalão, essa aí ainda não foi possível esquecer. Afinal, a imensa massa de brasileiros que trabalha e paga taxas muito altas de impostos foi, durante um bom tempo, bombardeada, dia e noite, por um noticiário que incriminava muita gente, envolvendo grandes somas de dinheiro público. Na época houve até gente que, para se livrar de perder o mandato, renunciou e saiu pela porta dos fundos do Congresso, esperando que a fraca memória popular os esquecesse até que pudessem voltar aos seus postos.

Então era tudo mentira? Fomos enganados por alguma campanha maléfica engendrada pela mídia? Ou a própria mídia foi enganada por gente muito esperta e usada para espalhar mentiras que abalaram o país?

Senhora ministra-chefe, eu jamais escreveria isso se o assunto não me incomodasse tanto. Entretanto, como tantas outras pessoas, eu me vejo entre duas versões irreconciliáveis sobre um mesmo fato. Espero, sinceramente, que esse assunto venha a ser esclarecido antes das eleições do ano que vem para que eu possa votar com muita consciência.

Sabe, é um voto só, um votinho. Mas é o meu.