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São Paulo, 457 anos

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Creio não haverá cidade que mais amei que São Paulo. Contraditória, múltipla, tantas vezes incoerente e mesmo absurda. Quem diz amei já não ama? Não, pelo amor de Deus. Como se diz por aí, briga de namorados são amores renovados. A verdade é que o meu amor por São Paulo está em fase madura, aquela em que se colocam virtudes e defeitos na balança, a tal fase em que a convivência a dois exige muitos cuidados de lado a lado. Para manter a toada dos ditos populares fica assim: quem ama não fere.

Ao pensar sobre São Paulo é preciso destacar que população, ruas, casas, prédios, tubulações, redes elétrica e telefônica, carros, rios, córregos e tudo o mais fazem parte de um mesmo todo e é dele que estamos falando. De nada vale uma cidade como essa que hoje está estampada nos jornais através de algumas fotos comparativas “de ontem” e “de hoje”, quase sugerindo que entre o “era assim” e o “ficou assim” não existisse um vasto processo de transformações feitas pela mão do homem, sob a injunção de necessidades e mudanças sociais de momentos diferentes. Embora isso seja óbvio o fato é que observamos nessas fotos os aspectos físicos das transformações, destituindo-as do calor de momento de homens e mulheres que ali viveram, muitos deles com poder decisório sobre mudanças que hoje observamos. Muito sangue, suor e cerveja correram soltos desde a fotografia que o Militão tirou da Praça da Sé até aquela que hoje podemos obter através de um simples click em câmaras digitais.

Conheci São Paulo ainda menino, trazido pelos meus pais em visita a parentes nossos na capital. Eram os anos 50. Então os bondes ainda circulavam, meio de transporte que só seria extinto em 1968, durante a gestão de Faria Lima como prefeito da capital. Lembro-me bem da elegância do velho centro com suas lojas chiques, cinemas e restaurantes. Os melhores cinemas ficavam nas avenidas Ipiranga e São João, sobretudo entre o Largo do Paissandu e a Praça Júlio Mesquita. Não foi ali, no Cine Art Palácio da Av. São João, que me levaram para assistir ao filme “Os Brutos Também Amam”, estrelado pelo Allan Ladd? Pois é, o tempo passa, o tempo voa, só os meus cabelos… Saindo do largo do Paissandu e seguindo pela Av. São João em direção à Av. Ipiranga, havia, lado direito, um restaurante de cujo nome não me recordo. Certa noite fui jantar ali, levado pelo meu irmão, e lá estava, jovem e forte, o cantor Agostinho dos Santos, ele que morreria no fatídico acidente aéreo ocorrido, em 1973, nas imediações do aeroporto de Orly, na França.

Pois desde muito cedo aprendi a amar o centro de São Paulo. Anos depois, quando vim residir e estudar na cidade sempre passeava no centro cujos trajetos me são muitos familiares. Já então o centro entrava em deterioração e a Av. Paulista começava atrair escritórios, consultórios, até tornar-se o que é hoje. Um golpe senão fatal, mas muito duro ao centro foi a degradação da Av. São João, decorrente da construção do Minhocão.

Hoje São Paulo já não é a cidade que conheci. Parafraseando Machado de Assis, mudei eu ou mudou a cidade? Os dois, não?  A São Paulo dos meus tempos de estudante gozava da febre de oportunidades e não era tão complexo crescer dentro dela desde que arrojo, competência e muito esforço não faltassem. Derivava daí o meu entusiasmo, aquele sentimento que tantos tiveram e ainda certamente têm, qual seja o de vencer na cidade grande.

A cidade? Ah, ela mudou e muito. Hoje é uma metrópole incrível, mas que se excedeu naquele famoso jargão que lhe impingiram: o de não parar nunca. A cidade ganhou em tamanho, verticalização, população e perdeu em qualidade de vida e humanidade. Veja-se o centro, no que se transformou. Fala-se tanto na revitalização do centro coisa que, na verdade, não detectamos.

São Paulo já não é a mesma. Entretanto, não é hora para saudosismos e sim muita ação. Nós que amamos São Paulo torcemos para isso e não há como não dar a ela os nossos parabéns por ocasião de seu aniversário.