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Pernilongos

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Na madrugada fui atacado por pernilongos. Bichos terríveis. Kamikases. Sobrevoam o pobre que só quer paz para dormir. Infernizam. Não desistem nunca. Desaparecem quando se acende a luz com a ilusão de exterminá-los. Então metem-se atrás dos móveis, quietos , safados. Quando o pobre retorna ao leito e apaga a luz eles reaparecem. Seriam mais perfeitos se não emitissem nenhum som. Mas, como nada é perfeito, atacam do jeito que podem. Escandalosos. Malditos. Um inferno.

Certa ocasião Chico Anysio concedeu entrevista ao Jô Soares. Na entrevista Chico desancou a língua contra a existência de certos bichos. Se bem me lembro meteu a boca nos jacarés e crocodilos, animais que, para ele, não teriam nenhum préstimo. Logicamente embalava-se ao ritmo de piadas. Mas, de verdade, pra que precisamos da companhia de pernilongos nesse mundo?

Todos os bichos são filhos de Deus - sentenciava Dona Pituta, senhora em cujo pomar eu me deliciava ao tempo de minha infância. Se Deus criara um bicho fora porque, em sua imensa sabedoria, julgara a existência do tal necessária. Ainda que fosse apenas para perturbar o sono dos homens, transmitir doenças, etecetera e tal. Pois é.

Desde que me entendo por gente me considero prato predileto de pernilongos. Esses pequenos vampiros adoram o meu sangue. O tal que consegui esmagar na parede, nesta madrugada, espatifou-se numa mancha de sangue. Era o meu sangue que o vadio havia furtado com sua tromba sugadora.

Destaco que nem todos pernilongos são iguais. Esses daqui das montanhas da Mantiqueira são ferozes, mas lentos. Não é tarefa difícil pegá-los. Ao contrário, os do litoral são uns azougues. Rápidos e determinados, atacam, sugam e desaparecem. Se os localizamos será preciso ligeireza para matá-los.

Há muitos anos não vou a Pindamonhangaba. Minha avó morava lá e, nos meus tempos de menino, vez ou outra eu dormia na casa dela. Acontece que Pinda conta com a presença das águas do Paraíba que correm mansas por aquelas terras. Com a presença do rio eram muito comuns pernilongos na cidade.

Lembro-me de certa madrugada em que fui acordado por meu irmão mais velho. Assustara -se ele ao me encontrar, sendo devorado por enorme pernilongo. Parece que no meu rosto havia um inchaço devido à ação do maldito kamikaze. Ato contínuo apareceu minha tia com um tubo de pomada com a qual cobriu a área da lesão.

Muitos anos e madrugadas sob o ataque de pernilongos sucederam quela noite em casa de minha avó. O homem é o senhor do planeta, mas um dia a humanidade deixará de existir. É de um biólogo a imagem de que, extinta a espécie humana, num campo desértico do futuro poderá ser visto um inseto sobre um braço de uma planta ressequida.

Escrito por Ayrton Marcondes

12 outubro, 2018 às 5:51 pm

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