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Conversa interessante

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Enquanto esperamos a advogada me fala sobre um mendigo que viu na rua. Andava ele mal trajado, sujo mesmo, mas segurava na mão um barbante ligado a um saco plástico vazio. Ia contra o vento de modo que o saco balançava no ar. De vez em quando o mendigo olhava para trás, conferia a posição do saco e sorria. Quando terminou o relato a advogada me disse:

- Que beleza é a loucura!

Olhamo-nos sem dizer nada, em acordo. Loucura mansa seria o ideal. Loucura que nos pouparia das lambanças da vida, dos compromissos inadiáveis, de responsabilidades enormes que muitas vezes nem sabemos direito como as assumimos.

Pensávamos nas delícias da liberdade de não raciocinar logicamente, na abstração que o delírio ingênuo e sem nexo poderia nos dar. De repente a imagem do mendigo ganhava proporções mágicas, como se fosse ele arauto de uma nova verdade que, entretanto, desconhecia e absolutamente não lhe importava. O mundo resumido a passos na calçada e ao vai da valsa de um saco plástico, dançando ao sabor do vento.

Conheci um homem que descarrilou como de diz. Chefe de família, responsável, trabalhador, de repente foi tomado pela mania de grandeza. Eu mesmo o encontrei certa vez e ele me deu uma moeda de alguns centavos, recomendando que a guardasse, tomasse cuidado porque se tratava de muito dinheiro. A família só se deu por achada em relação ao problema quando o homem mandou fazer, de uma só vez, dez ternos num alfaiate. E dizer que ele nunca usava ternos…

Às vezes me lembro desse homem, meio aparentado de parentes meus, sujeito lhano e de olhar tranquilo. Algo se operara no cérebro dele, levando-o a outros caminhos manifestos pela mania crescente em seus hábitos. Desde que o conheci me incomoda aquilo que sempre compreendi como fuga, não mais que a adoção de outro discurso, diferente do proferido pelos outros mortais.

Dirão que a loucura é horrível, recomendarão visitas a manicômios para constatar a triste realidade dos insanos. É verdade, é verdade. Entretanto, nesses dias tão tumultuados não consigo deixar de invejar o tal mendigo, guiando e sendo guiado pelo saco plástico no ar, sendo sua última preocupação e dever mantê-lo acima do chão, sempre aproveitando a direção do vento, vivendo ao sabor do vento.

Escrito por Ayrton Marcondes

18 outubro, 2012 às 4:09 pm

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Colapso nervoso

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O The New York Times traz um artigo, assinado por Benedict Carey, sobre o colapso nervoso. Benedict lembra que a maioria dos médicos sempre achou a expressão inexata, embora muito usada em meados do século XX e aplicada a situações diversas desde simples esgotamentos até transtornos mentais graves como depressões severas, psicoses e delírios indicando esquizofrenia.

Creio que posso falar um pouco e retrospectivamente sobre os colapsos nervosos. De fato, presenciei casos assim rotulados, todos eles ligados a situações de stress, esgotamentos, desequilíbrios mentais passageiros ou permanentes, enfim qualquer sinal ou sintoma que apontasse para distúrbios de natureza psiquiátrica.

O fato é que nas famílias sempre houve muita tolerância com esquisitices de parentes, em geral explicadas com “ele(a) é assim mesmo”. De todo modo, aceitava-se e ainda se aceita que o ponteiro da balança cujo ponto médio é a normalidade possa oscilar em boa margem sem que desvios até significativos sejam tomados como indícios de doença mental ou loucura. Obviamente, não está se falar sobre diagnósticos de especialistas, mas de um entendimento popular baseado em juízos puramente empíricos.

Creio que é a esse universo alternativo da verdadeira psiquiatria que mais se aplica popularmente a terminologia colapso nervoso, em nosso meio muito ligado aos chamados peripaques. A coisa toda se passa como uma perda de estabilidade nervosa gerada por esgotamento, nervosismo excessivo, trauma recente e outras causas que desencadeiam, em dado momento, aquilo que considera um colapso nervoso.

Insisto que estamos a abordar o terreno do empirismo, deixando propositalmente de lado toda a investigação científica que cerca o assunto. Na verdade os psiquiatras usam mais a designação genérica “Síndrome da Combustão” para designar as diversas categorias de colapsos emocionais.

O uso generalizado da expressão colapso nervoso estendeu-se a uma vasta gama de distúrbios emocionais e psiquiátricos. Ao ler a reportagem do The New York Times veio-me à lembrança um caso acontecido ao tempo da minha infância e que muito me impressionou, logicamente identificado como colapso nervoso. Trata-se da aventura vivida por um senhor idoso, então vizinho da casa de meus pais. Esse senhor, marceneiro de ofício, a certa altura começou a apresentar sintomas de desequilíbrio mental. A idéia de que fossem colapsos baseava-se no fato de que ele se comportava normalmente na maior parte do tempo até que, de repente, fazia algo inusitado. Exemplifico: homem sempre muito calmo tinha ele repentes passageiros de violência, quebrando objetos ao seu alcance, após o que retomava o comportamento habitual como se nada houvera acontecido; certa noite entrou em sua casa com sapos nos bolsos e os introduziu sobre a cobertas enquanto sua mulher dormia, deitando-se com ela em seguida.

Durante bom tempo as crises ocorriam a longos intervalos. Quando se acentuaram, o marceneiro foi levado a um psiquiatra que recomendou a internação em manicônio. Três meses depois, sem diagnóstico conclusivo, voltou ele para casa e ao ofício de marceneiro, dando-se o desfrute de esquisitices ocasionais. Passou a ser aquilo que se chama de “louco manso”, capaz de praticar, nos dizeres de Guimarães Rosa, “ruindades calmas”.

corvoJamais o marceneiro deixou de sofrer os seus “colapsos”. O último lance de sua trajetória aconteceu quando, estranhamente, uniu-se a um corvo que veio pousar sobre o telhado da casa onde ele morava. Conta-se que o corvo o seguiu durante todo o dia; quando alçou vôo e desapareceu, o marceneiro deitou-se e morreu.

Minha tia falava sobre o estranho destino do marceneiro com muita naturalidade. Destacava o capricho da sorte que entregara o pobre homem a colapsos nervosos e, finalmente, ao estranho aviso da morte através da vinda de um corvo.

Não posso garantir que tudo isso seja verdade. Mas, se alguém duvidava do que a minha tia contava, ela parodiava Gonçalves Dias e dizia:

- Meninos, eu vi.