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O velho centro

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liceuUm editorial da “Folha de São Paulo” de ontem e artigo de Clóvis Rossi, publicado na mesma página, falam sobre a degradação do centro de São Paulo, citando o caso do Liceu Coração de Jesus hoje cercado por consumidores de crack. Clóvis Rossi afirma que um pedaço da cidade está morrendo referindo-se à decadência do Liceu que, segundo informa o editorial, de seus 3000 alunos do passado atualmente conta com apenas 288. Confessa Rossi não ser simpático ao saudosismo, mas que não há como deixar de cair uma lágrima por um ou outro desmanche que acontece na cidade.

Falar sobre o passado nem sempre representa saudosismo. O que não se pode é descambar para a pieguice, chorando por um mundo melhor que, infelizmente, está acabando.

O que também não se pode é deixar de lado o testemunho sobre o passado só porque existe a ameaça de cair no saudosismo. Pois, eu vi o Liceu funcionando a todo vapor no seu período áureo embora nunca tenha estudado lá – um primo foi aluno do Liceu. Falar sobre isso inevitavelmente me devolve outra época, povoada por pessoas que de repente se erguem de seus túmulos para refazer um pedaço da história da cidade de são Paulo.

Meu tio morava num apartamento localizado na Alameda Nothman, bem trás do Liceu. Naturalmente a cidade era outra e o centro tinha o seu viço. Para nós que morávamos no interior e vínhamos para São Paulo o Liceu era, por assim dizer, passagem obrigatória. Na antiga Estação Rodoviária, localizada perto da Estação Sorocabana, desembocavam os ônibus vindos de toda parte do país, inclusive os da região onde morávamos. Isso quer dizer que ao desembarcar na Rodoviária tínhamos que passar pelo Largo Coração de Jesus – onde fica o Liceu - para chegar ao apartamento do meu tio.

Percorri esse caminho inúmeras vezes e sou capaz de descrevê-lo em detalhes.  Andava-se por ali com segurança, pelo menos até o início da noite. Nada da bandidagem ostensiva e de consumidores de drogas. De manhã, bem cedo, a região era ocupada por grande número de estudantes que vinham para as aulas no Liceu. Parece-me vê-los agora, conversando na praça, chegando ou saindo do colégio. O mundo tinha cor, cores puras, nada da degradante sujeira que se vê por ali hoje em dia. Respirava-se um ar nem sempre puro, mas de todo modo não tão poluído como o de agora. E dali se ia serenamente a pé até o Largo do Paissandu, região chique onde ficavam os melhores cinemas, bons restaurantes e passavam bondes elétricos que corriam pela Av. São João afora.

Era o velho centro e não há como não se sentir saudades dele. Não se trata de pieguismo porque é inevitável pensar que, de algum modo, nós mantemos pelo menos um dos nossos pés lá, parte do que fomos permanece no passado, imutável e fazendo parte de uma paisagem e coreografia muito viva em nossas memórias.

Dá, sim, muita pena a nós que amamos tanto o centro da cidade vê-lo assim, em tão injustificável degradação. Dá pena ver ruas tão belas com aquelas próximas à Praça da Sé sitiadas por camelôs.

Dá muita saudade, sim. O velho centro que conhecíamos continua bem vivo, permanecendo em nossas memórias como aquele Beco da poesia de Manuel Bandeira: imóvel, suspenso no ar.