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A força da juventude

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O meu vizinho de andar é um rapaz educado a quem às vezes encontro no elevador. Meamos, eu e ele, uma parede que separa os nossos apartamentos. O prédio é uma dessas construções mais recentes nas quais engenheiros e arquitetos sempre acham um jeito de economizar argamassa. Disso decorrem divisões menos espessas que não vedam completamente a passagem de sons.

Sendo assim, entre eu e o meu vizinho vigoram inevitáveis invasões de privacidade determinadas pela livre circulação de sons de um apartamento para outro. Não se pode ouvir tudo e quase sempre o que se quer é evitar o barulho que tanto incomoda. Ainda assim, um pouco do modo de ser de cada um passa a fazer parte do cotidiano do outro lado, ainda que as pessoas envolvidas nessa troca não privem de relações de proximidade.

Suponho que o meu vizinho seja um estudante da escola de Propaganda e Marketing que funciona aqui na nossa vizinhança. Creio que ele mora sozinho embora um rapaz e uma moça sejam presenças frequentes. Ouço quase todos os dias as vozes dessas duas personagens a quem nunca vi, mas que chegam sempre no final da tarde e partem por volta das onze horas da noite. Dos dois, a moça é a que fala mais, daí ser possível conhecer os pontos de vista que ela defende. O rapaz tem voz rouca, quase enfadonha e fala pouco. Sua participação parece limitar-se a colocar panos quentes nas discussões entre o morador e a moça.

Mas é nas noites de sexta-feira que o apartamento do meu vizinho entra em plena função. Nessas ocasiões ele recebe vários colegas da faculdade que se entregam a intermináveis conversas regadas a algum tipo de bebida e montanhas de cigarros. Não se trata propriamente de uma festa. As pessoas não chegam juntas e os últimos retardatários só partem com o dia já claro.

Embora o que se passa no apartamento do lado me incomode – o barulho, o cheiro da fumaça dos cigarros que se espalha pelo andar, etc. – confesso que sinto muita inveja da força e modo de ser desses jovens. Eles me remetem às repúblicas de estudantes em que morei, nas quais era livre a circulação de rapazes e moças e isso a qualquer hora. Não tínhamos outro compromisso que não o de comparecer às aulas e então o mundo apresentava-se a nós como um grande ponto de interrogação a ser desvendado. Ah, quantas teorias, às vezes esdrúxulas, defendidas com as certezas de quem acaba de descobrir verdades aparentemente imutáveis; quantos embates entre temperamentos distantes resolvidos com um bom copo de cerveja de repente capaz de restituir sobriedade e ordem ao mundo; quanta esperança na vida, quanta fé no ser humano, quanto desapego a exterioridades, quanta confiança no futuro.

E dizer que tudo isso foi sendo metodicamente abalado com o passar dos anos, que a esperança e a fé deram lugar ao descrédito e ao ceticismo. Quanto aos amigos inseparáveis que tanto se amavam, onde estão eles? A maioria desapareceu arrastada pelas exigências da vida que põe e dispõe sobre os nossos caminhos. É desse modo que se fazem homens ricos e pobres, felizes e infelizes, bem e mal sucedidos, vivos e mortos; e foram todos jovens, na mesma república, vivendo os mesmos sonhos, discutindo tantas vezes utopias que o futuro teimou em rechaçar.

Às vezes penso que a vida tenha algo de inversão do roteiro proposto na Divina Comédia. Dante vai do inferno ao purgatório e daí ao paraíso. Acho que vivemos primeiro o paraíso para depois passar pelas fases mais difíceis.

Em todo caso, que ninguém desanime: existirão sempre rapazes morando em repúblicas, fornecendo energia boa ao mundo, lembrando-nos de que vale a pena viver. Como disse Machado de Assis em seu leito de morte:

- A vida é boa.

Foram essas as últimas palavras do grande escritor.

O que há com os jovens?

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Tudo bem, o rapaz cresceu na favela, não teve oportunidades, compreendeu que o Estado não vai resolver o problema dele e foi iniciado bem cedo no crime. Para ele a violência é algo natural, faz parte do cotidiano, matar não passa de um ofício estimulante com o qual se consegue alguma coisa. Tudo isso sem crise, porque filosofia é coisa de gente estudada, de filósofo e sociólogo, da gente toda que quer explicar o inexplicável que é essa merda de vida.

Tudo bem. Então o rapaz que está nessa é capaz de atirar num casal dentro de um carro só para roubar qualquer coisa, ele faz isso sem remorso e do mesmo jeito que mastiga um pão com mortadela. Para esse carinha aí até que se pode buscar alguma explicação, para ele que mata, depreda coisas, destrói por destruir, arrebenta bens públicos e comete toda sorte de maldades que nos deixam parvos e revoltados. Explicação, nunca justificativa.

Mas, que dizer dos bem nascidos, dos que crescem em lares separados do mundo por paredes firmes, dos muitos que até viajam para o exterior de vez em quando e dessa cambada da camada alta que opta pelo mesmo caminho dos bandidos em formação? Pois esses outros carinhas, os bem-nascidos, não trazem em seus currículos passagens por favelas, momentos de fome, obediência a milícias, adestramento para uso de armas avançadas e tudo o mais que corre solto entre a bandidagem.

Você aí me diga: o que há com esses jovens bem-nascidos que fazem o diabo, desrespeitam leis, depredam os ambientes escolares e até botam fogo em índio e mulher grávida? O que há com esses rebeldes sem causa que fazem questão de ser iletrados ainda que a eles se ofereça o que há de melhor em termos de formação?

Alguém tem que responder a essas perguntas para que alguma coisa possa ser feita contra a disseminação da violência gratuita a que assistimos quase todo dia. Isso digo por que não é possível aceitar e compreender todo esse arsenal de atitudes condenáveis e absurdas.

E não adianta comparecer com as explicações de sempre: o exemplo vem de cima, os pais trabalham fora e não cuidam da educação dos filhos, é preciso resolver o problema da droga na porta – e dentro – das escolas, num país onde existe tanta impunidade só pode acontecer isso, a corrupção é uma epidemia difícil de controlar daí afetar diretamente os valores em que se acredita, existe demasiada liberação de costumes etc.

As imagens recentes exibidas na televisão, mostrando estudantes arrebentando escolas, são inaceitáveis e apontam para um tipo de deformação decorrente de falha social. O crime não se justifica independentemente da origem de quem os pratica. Se não podemos aceitar a violência dos jovens oriundos de favelas ou de condição social inferior o mesmo se pode dizer, com maior ênfase, em relação aos jovens pertencentes a camadas sociais mais privilegiadas.

Tudo bem? Não, nada de tudo bem, nada está bem.