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A nega é minha, ninguém tasca

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Um juiz julgou improcedente o pedido de indenização movido por um policial traído pela mulher. A indenização deveria ser paga pelo ex-amante da mulher já que o policial, por causa da traição, tornou-se alvo de chacota no seu ambiente de trabalho.

A sentença do juiz é uma peça interessante. Após classificar o policial como “corno solene”, o juiz lembra que alguns homens enfrentam problemas relacionados à virilidade e passam a culpar suas mulheres por esse fato, acusando-as de gordas etc.

Segundo o juiz o marido não se acha responsável pela situação, daí não aceitar que a mulher procure um amante e ameaçar matá-lo. Após sugerir ao marido traído que procure um psiquiatra o juiz avisa que a vitima não deve perder de vista que “a nega é minha, ninguém tasca, eu vi primeiro” é só uma letra de samba. Termina dizendo que “pássaro que aprende a voar livremente não se adapta mais à gaiola… só se muito bem cuidado”.

Não se pode negar que se trata de uma sentença bem-humorada. E quem sou eu, primo, para duvidar do acerto de uma sentença como essa.

Mas o assunto é interessante e nos leva a outras situações presenciadas ao longo da vida. Tenho um amigo que elaborou uma curiosa hierarquia de homens cornos que, se bem me lembro é a seguinte: os que não aceitam a condição; os que aceitam; e os que não aceitam durante um tempo, mas acabam voltando atrás. Note-se que aí não está incluído o grande contingente dos corneados que jamais souberam que foram traídos.

Tenho certeza de que cada leitor é capaz de ilustrar as diferentes condições anteriormente apontadas, relembrando casos que presenciou ou de que teve notícia.

Da minha infância trago uma lembrança de um fato que só vim a entender anos mais tarde em conversa com um dos meus irmãos. Presenciei, certa vez, uma cena de filme: numa cidade do interior vi um homem ajoelhado diante da porta de um ônibus chorando e rogando a uma mulher que não fosse embora. Pela janelinha da jardineira que percorria estradas de terra um belo rosto de mulher observava impassível o homem que bradava a todos os ventos o seu coração partido.

Essa cena ficou gravada na minha memória. Ainda hoje consigo ver aquele homem alto e magro, branco como cera, ajoelhado na rua, chorando, inconsolável.

Como disse, só anos mais tarde vim conhecer detalhes da história. A bela mulher era casada com o cidadão inconsolável. Ela fora expulsa de casa após o marido descobrir que o traía justamente com um irmão dele. O rapaz, mais moço que o irmão, viera morar com o casal há alguns meses e o resto pode-se imaginar.

Então é assim que as coisas acontecem e as vidas se cruzam afetando destinos. Existem homens que convivem com a traição e outros para quem ela é inaceitável. Pessoas mais extremadas advogam que ninguém está seguro, é preciso cuidado. Isso é o que o juiz do caso citado quis dizer com aquela citação de letra de samba que, aliás, caiu muito bem na situação.

Então é isso, estão todos informados sobre a sentença do juiz.

Acabou? Como? E o que aconteceu? A mulher desceu do ônibus ou partiu?

Rapaz foi uma das cenas mais bonitas a que assisti nessa louca vida. O interessante é que, a certa altura, o motorista do ônibus, vendo o marido em prantos, resolveu perguntar à mulher se podiam seguir caminho.

A mulher disse que sim, mas logo que o ônibus saiu, parou metros adiante. E lá veio ela, formosa como uma flor desgarrada das nuvens, bonita de doer em seu vestido de lírios, correndo com na direção do marido que já se jogava ao chão em completo desespero.

Foi aí que ele renasceu: de um salto ergueu-se, foi em direção a ela e atracaram-se num beijo de dar inveja a muitos finais felizes de filmes.

Guardo essas cenas na memória e ainda agora me parece que o perfume exalado naquele reencontro está presente enquanto escrevo essas mal traçadas.

O fim? Ora, consta que, a partir daí, os três - ele, a mulher e o irmão dele - viveram felizes para sempre.

Escrito por Ayrton Marcondes

16 outubro, 2009 às 3:38 pm

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