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Um homem sério

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O novo filme dirigido pelos irmãos Coen – Um homem sério – é dessas produções que deixam o expectador em dúvida: estará assistindo a uma obra-prima ou trata-se de uma história banal que o obriga a um esforço do tipo “fazer parte dos que são capazes de ver algo mais intelectualizado”.

Que o filme é pretensioso, isso não se pode negar. Sua grandeza está no fato de isolar um microcosmo e dele retirar observações (lições?) que refletem a natureza do homem, um ser perdido diante da complexidade das coisas que o cercam.

No caso, o microcosmo é uma comunidade de judeus, imbuída de seus valores e verdades expressos na Torá e na sabedoria dos rabinos mais velhos. O protagonista é um professor universitário de física - Lawrence Gopnick, vivido por Michael Stuhlbarg – cujo mundo se desmorona a cada passo. Os coadjuvantes são a mulher do professor que o abandona por um amigo judeu, um irmão do professor, desajustado e viciado em jogo, e os dois filhos do professor, um rapaz e uma moça alienados sobre que acontece em sua família e no mundo. O cenário é o Meio-Oeste norte-americano durante a década de 60.

O que os irmãos Coen oferecem ao bom e sério professor Lawrence é uma sequência de acontecimentos sobre os quais ele não tem força ou possibilidade de intervir. Implícito aos acontecimentos está o empenho de um homem sério em descobrir por que as coisas são como são e a razão profunda do desmoronamento de seu mundo. Tudo dá errado para Lawrence e sua missão é procurar na sabedoria ancestral de sua religião explicações para o seu infortúnio.

Como não poderia deixar de ser Lawrence nada consegue. Os irmãos Coen servem-se de uma sátira aos judeus para dizer o óbvio: inexistem respostas. Ainda assim, o que importa é não estar sozinho, é crer nos valores ancestrais que garantem lógica ao cotidiano e à vida. É preciso continuar, apesar de tudo. É preciso que os valores sejam preservados apesar de sua evidente inutilidade. Por isso, e só por isso, o filho de Lawrence é iniciado nos segredos judaísmo, ainda que a ele escapem o significado profundo dos ritos de que participa. O que verdadeiramente importa ao rapaz é recuperar o rádio tomado pelo professor, durante uma aula, para que possa pagar o dinheiro que deve a um colega de escola. E isso o processo de iniciação garante a ele: o mais sábio dos rabinos devolve a ele o rádio e os vinte dólares que escondera junto ao aparelho. Só o dinheiro pode salvar o rapaz de uma surra.

Também é o dinheiro a tentar subverter a seriedade de Lawrence. A polpuda quantia passada a ele por um aluno para que o aprove funciona como tentação permanente. De um lado o dinheiro, de outro a virtude e a seriedade que poderão ser corrompidas com o simples gesto de mudar uma nota. Será um ato isolado que ninguém jamais descobrirá. Lawrence se renderá?

“Um homem sério” mereceu duas indicações ao Oscar 2010. Trata-se de um bom filme que não chega a ser um grande filme. O humor corrosivo dos irmãos Ethan e Joel Coen por vezes se arrasta entre narrativas secundárias cuja supressão não afetaria a trama principal. Há quem tenha classificado o filme como genial. “Um homem sério” não chega a tanto. É bom cinema, traz assinatura de grife e talvez por isso esteja sendo um pouco mais valorizado do que deveria ser.