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John of God

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God sempre é responsabilizado pelo que acontece no mundo dos humanos. Consta que impõe terríveis castigos quando se aborrece com os desmandos dos seres que criou. Não por acaso expulsou Adão e Eva do Paraíso, pecadores que se entregaram ao assédio da serpente do mal.

God tem seu nome associado a quase tudo. Religiões e seitas cada uma tem o seu God adaptado às crenças que professam. God é justo, imparcial, por vezes até acusado de descaso quando deixa os humanos à deriva. Sendo Ele o Senhor de tudo não deveria impedir a ocorrência de grandes catástrofes, por exemplo?

No momento fala-se muito da associação entre God e um homem chamado John. Esse John, também conhecido como João de Deus, durante anos empregou-se numa suposta ajuda espiritual e física a doentes e necessitados de toda ordem. Na cidade de Abadiania, Goiás, João se estabeleceu, abrindo uma “Casa” para a qual afluíam pessoas vindas de várias partes do mundo, todas em busca de socorro. Nas sessões realizadas na “Casa” João de Deus realizava inclusive cirurgias, dizendo-se tomado por entidades que nele encarnavam. Assim, o grande médium alcançou fama e reconhecimento a ele se remetendo inclusive pessoas famosas.

Benquisto e acolhido até na alta sociedade, mantendo contato com políticos importantes, João de Deus estabeleceu em torno de sua pessoa uma aura que transcendia a própria condição humana dada a sua relação pessoal com o “outro lado” e poder de cura.

As coisas andaram bem até que surgiram denúncias de abusos sexuais praticados pelo médium. Depois que uma mulher concordou em se apresentar e contar sua história de abusos sofrido na “Casa” de Abadiânia outras se sentiram encorajadas e denunciaram o médium. Casos escabrosos vieram à luz e hoje João de Deus cumpre pena em presídio.

Este que escreve esteve em Abadiânia e conheceu João de Deus. Há nas doenças graves um patamar que, se ultrapassado, nos conduz ao território situado além do conhecimento racional. No meu caso tratava-se do câncer de minha filha, ainda jovem, que já não respondia adequadamente aos tratamentos quimio e radioterápicos. Esperanças abaladas e a certeza de um epílogo indesejado levaram-nos à busca do milagre da cura por meios alternativos. E, por que não? Se era corrente que o médium operava curas verdadeiramente milagrosas, servindo-se da ação de entidades que nele encarnavam, por que não tentar essa última saída?

Foram cerca de cinco viagens ao interior de Goiás, participando de um bloco de pessoas que, ainda ao alvorecer, seguiam, vestidas de branco, em direção à “Casa”. Fé e esperança faziam parte da rotina em Abadiânia. Ali se ouviam pessoas se expressando em diferentes línguas. Certa ocasião eis que um russo foi ao microfone e relatou ter estado com câncer, desenganado pelos médicos. No estágio final da doença veio ao Brasil para ser socorrido por João de Deus. Eis que veio a conseguir sua cura considerada impossível e espantosa pelos médicos.

No vasto salão da “Casa” distribuíam-se pessoas que se acomodavam em bancos de madeira. Mas, do lado de fora, formavam-se longas filas de pessoas que participariam de meditações ou seriam atendidas pelo médium. Num dos lados do salão ficavam doentes com vários tipos de males, a maioria em cadeiras- de-roda. Estavam ali buscando o milagre da cura, a salvação.

O crime praticado por João de Deus pode ser entendido como afronta à humanidade. Ao submeter e explorar mulheres ali trazidas pelo desespero, induzindo-as a achar que seus favores sexuais fariam parte de alguma terapia, João de Deus rompia com a lógica do amor e descia aos subterrâneos da monstruosidade. Atos de tal natureza geravam distúrbios psicológicos graves que acompanhariam - e ainda acompanham - suas vítimas.

A relação entre o bem e o mal desafia a compreensão. Reinava nos domínios de João de Deus um clima de harmonia e grande paz. Ali, em contato com a natureza, pessoas vindas de diferentes regiões irmanavam-se num ato de fé consubstanciado na figura do grande médium. Mas, também ali o mal se introduzira e pelo mais podre caminho. A contradição faz parte do mundo em que vivemos e a ela estamos habituados. Entretanto, em certas circunstâncias ela se impõe de tal modo e agressividade que fica difícil compreendê-la.