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A primavera

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Cá entre nós este não é um ano para se ter primavera. Primavera: flores, luz, alegria. Estação que mata o inverno a golpes, soterra a tristeza dos dias nublados, irradia corações, dispara a máquina da esperança. A primavera marca a redenção do homem com o meio através da beleza impactante das flores.

Pois. Eis que a primavera chegou no meio da semana, discreta, imperceptível. Veio como que caída por acaso, obedecendo apenas à injunção do calendário. Apareceu com ares de visitante obrigado a compromisso inadiável, como aquele convidado que vai chateado a casamento ao qual não pode faltar de jeito nenhum. Talvez a primavera tenha ponderado, no grande encontro das estações, que neste ano, especificamente neste, o melhor seria ela não aparecer. Assim, do inverno saltaríamos para o verão e ninguém perceberia. Com tanta coisa a ser reclamada, com crises para todo lado, quem se lembraria da ausência da primavera?

Entretanto, nós a esperávamos. Ansiávamos pelo perfume das flores, pelo brilho do mato muito verde, pela revolução da natureza que se abre de repente e nos contagia. Precisávamos tanto da primavera que viria para aplacar pelo menos um pouco o desconforto dos dias tristes que seguem, tempo de incertezas, de futuro insondável, de desesperança.

Mas, que fazer se a primavera é tão sensível? Que fazer se ela se apercebe das nossas dificuldades e se retrai? Por isso foi assim, por isso essa primavera meio indiferente, tão estranha pelo menos aos nossos olhos.

Mas, não nos esqueçamos de que a primavera é pujante. Mais dia, menos dia, quem sabe ela se anima e passa a vibrar com o antigo vigor. Precisamos que seja assim. Afinal, dependemos da primavera, não é possível sobreviver sem ela.

Escrito por Ayrton Marcondes

25 setembro, 2015 às 1:30 pm

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Primavera

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Começou, na madrugada, a primavera. Acordei, às três horas da manhã, despertado pelo ruído de fortes ventos. Abri os olhos no escuro e me lembrei dos versos de Alberto Caieiro:

Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Depois me vieram imagens de flores, aquelas que tínhamos nos canteiros do fundo do quintal.  Da velha roseira que minha mãe cuidava como a um filho, que restou? Nem a roseira, nem minha mãe, nem as vozes da gente daquele tempo, as pessoas tão altas e graves que eu via de baixo, do meu patamar de menino.

A realidade não precisa de ninguém para continuar acontecendo. Talvez por isso o primeiro noticiário ignorasse a magia da manhã e relatasse a morte de quinze pessoas em dois acidentes nas estradas. Morreram antes da nova manhã, não viram o início da primavera, mas ela começou, imperiosa, sem eles.

Houve um tempo, nas aldeias do Brasil, em que os sinos badalavam forte, anunciando a estação das flores. Então havia mais alegria, menos sofrimento e a dor tinha recato, não se expondo tanto como hoje. Ventava, sim, nas madrugadas, mas as pessoas não se incomodavam porque tinham histórias a contar, sentadas na cozinha, em torno do bule com café. Mas, os tempos são outros. Um amigo me disse, ainda nesta mesma semana, que os contadores de histórias estão desaparecendo. Já quase não existem cozinhas com fogões de lenha, gente perdida nas madrugadas contando histórias, amplos quintais com roseiras e velhinhas cuidando de flores. O mundo mudou.

A primavera começa num dia claro, sem alarde. Ninguém passa pela minha porta carregando flores, festejando o início da nova estação. Só na minha memória a realidade desfeita persiste, mundo colorido no qual minha mãe está debruçada sobre um canteiro e pessoas correm, felizes, num infinito campo de flores.