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A saga dos humoristas

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Nessa história toda de reprovação e punição ao humorista que disse uma bobagem fenomenal sobre uma celebridade grávida e o filho dela em gestação é preciso não confundir alhos com bugalhos. Na melhor das hipóteses o humorista foi infeliz, na pior uma cavalgadura ambulante que infringiu os códigos de respeito. O que não desfaz o seu valor enquanto profissional do riso, mas arranha terrivelmente a imagem pública dele. A pior coisa que pode afetar uma personalidade pública é uma marca impressa em sua biografia. No caso do humorista que ofendeu a senhora grávida tatuou-se na pele dele um sinal que vai ser difícil de apagar. Ele sempre poderá continuar a fazer piadas, mas não se livrará daquela coisa que brota na memória do espectador quando, de repente, se vê perguntando: mas, não foi esse o cara que…?

Ocorrido o fato o que não se pode é taxar toda a comunidade de humoristas em ação como profissionais do desrespeito. É verdade que nos últimos tempos parte do humorismo descambou para o escracho que cede lugar a ofensas e constrangimentos.  De fato, estabeleceu-se uma irmandade de humoristas que comungam de um mesmo jeito de trabalhar no qual o constrangimento de pessoas que se veem em situações delicadas serve como mote para o riso. Em grande parte dos casos inexiste bom gosto nessas ações provocadas intencionalmente para conduzir pessoas ao ridículo. Os entrevistadores caracterizados como personagens que ficam na porta de festas de gente importante são um bom exemplo de prática de constrangimento ao ar livre. Mas, mesmo aí é preciso cuidado porque do outro lado também existem os entrevistados que gostam do jogo e aí as coisas se passam com naturalidade. O que constrange é a abordagem, por exemplo, de senhoras idosas que imploram para serem ignoradas e sofrem o assédio dos repórteres. Ou de pessoas simples do povo tomadas ao acaso nas ruas para sofrerem a imposição de situações ridículas.

Mas, nem tudo é luxo, nem tudo é lixo. Demais existe a questão que envolve a tríade circunstância, local e momento. O problema de piadas feitas em meios de comunicação é que elas entram nos lares e são consumidas por variada gama de públicos. Da criança ao idoso, do rico ao pobre, do homem à mulher, todos ouvem a mesma coisa e atribuem a ela valor e significados diferentes. O mesmo não acontece quando o “stand up” se faz num teatro ou casa de shows. Nesses lugares o cidadão comparece por vontade própria e livre escolha para assistir ao espetáculo proporcionado por esse ou aquele humorista. O cidadão sabe de antemão pelo que está pagando e certamente não se sentirá ofendido se a natureza das piadas resvalar no baixo calão. Logicamente, se o assunto é riso tudo pode acontecer. Recentemente um espectador que foi gozado por um humorista subiu ao palco e atingiu-o com um murro. Ossos do ofício de vez que faz parte da empatia do espetáculo os humoristas aliciarem pessoas do público.

Nunca é demais lembrar que os brasileiros são um povo condenado à extroversão, daí sermos afeito às boas piadas. Quanto a mim, declaro-me fã incondicional do gênero. Nos meus tempos de menino morava no interior e ouvia pelo rádio, diariamente, as transmissões de programas humorísticos. Humoristas do quilate de Zé Trindade, quadros cômicos até hoje utilizados em emissoras de televisão são criações da era do rádio. Vários dos humoristas que fizeram e fazem parte de programas cômicos atualmente veiculados na televisão vieram lá de trás. Muitos já morreram, mas personagens que encarnaram encontram novos atores que levam adiante as legendas.

Humor liga-se a rapidez e inteligência em sacar o óbvio e transformá-lo em piada. Gente como Chico Anísio, Ronald Golias, Costinha, José de Vasconcelos e tantos outros fizeram a alegria do povo, fazendo-nos rir de nós mesmos e de situações inusitadas.

A nova trupe de humoristas brasileiros promete. Insinuantes, capazes de sacadas muito rápidas, atentos ao momento do país e visando divertir o público aos poucos se impõem.  Não há que se obstruir o trabalho deles, nem projetar em seus espíritos alegres o fantasma da autocensura.  Não há, ainda, que se falar em limites numa profissão em que a regra é a liberdade de expressão. Não há que se fazer uma campanha nacional movida pelo lamentável deslize de um humorista, taxando toda a classe como arrivista e irresponsável. Se algo se pode pedir aos novos humoristas é que mantenham intacto o bom senso. Enquanto homens e atores todos eles conhecem muito bem a linha divisória entre a piada e a ofensa gratuita e desnecessária. O que vale mesmo é a piada inteligente que nos retira da rotina de um dia difícil e nos faz rir.