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Google View: flagrantes do cotidiano

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Hoje em dia você corre o risco de ser flagrado a qualquer momento, em qualquer lugar, inesperadamente. Existem olhos por toda parte, tantos olhos que nada passa despercebido. Você já usou o Google View? Rapaz, que coisa. De repente você pode fazer um passeio virtual por ruas de muitas cidades do mundo, ver os prédios e as pessoas que circulavam no momento em que as fotos foram tiradas. Pode ser que para a geração atual - essa para quem tudo parece normal e óbvio - o Google View pareça uma coisa muito lógica e simples. Olhe, não é não. Deixando para lá esse papo de invasão de privacidade, de facilitar aos bandidos as suas ações criminosas, o fato é que o que vemos na tela é fenomenal. Agora, que tem algo de Grande Irmão nisso, lá isso tem daí me perguntar o que acharia disso tudo o bom camarada George Orwell.

Em Belo Horizonte um cidadão processou o Google porque foi fotografado no momento em que vomitava na rua. Ele pede uma indenização. Fotos ao acaso de ruas mostram de tudo, que fazer? Mas, o Google View é também um serviço interessante, ajuda a localizar muita coisa e a conhecer cidades a que jamais iremos. Outro dia dei uma olhada em Tókio e foi como, de certo modo, eu conhecesse um pouco a cidade e a japonesada que anda por lá.

Quanta diferença com o passado. Quando da realização da Olimpíada de Moscou, em 1980, havia uma grande curiosidade sobre como seriam os russos. Com a Cortina de Ferro fechada como era, o povo russo parecia a todo mundo mais distante que os hipotéticos habitantes de Marte. Aí começaram os jogos e pode-se ver russos na torcida, gente como a gente, levando filhos no colo etc. Eram os tempos da Guerra Fria e os comentários que passaram a ser ouvidos foram os de que “os comedores de gente são iguais a nós”. Tratava-se de uma ressalva importante em tempos em que os russos eram demonizados pela propaganda norte-americana.

Hoje você tem acesso a milhares de fotografias de Moscou e em breve poderá passear virtualmente na cidade através do Google View. O mundo é outro, a Guerra Fria teve seu fim com a extinção da União Soviética, em 1991, e os EUA andam às voltas com guerras e grande crise interna. Alguns países ditos emergentes, entre eles o Brasil, experimentam ser gente grande e a tecnologia permite uma integração maior entre os povos. É a aldeia global, prevista por Marshall Mcluhan, para quem o progresso tecnológico reduziria todo o planeta à situação observada em uma aldeia, ou seja, a possibilidade de se intercomunicar diretamente com qualquer pessoa que nela vive. Que o digam os emails, os blogs e as comunidades virtuais. Não é que a Rainha Elizabeth da Inglaterra estreou há dois dias no Facebook e ganhou, nas primeiras horas, quase 100 mil fãs?

O que surpreende nesse admirável mundo novo é a velocidade da informação e o consumo dela. Embora isso seja óbvio e a afirmação nada tenha de novo a coisa toda continua impressionando e muito. Há dois dias, no início da noite, um apresentador de TV se queixou, dizendo-se perseguido por uma emissora concorrente. Ele fez isso durante a apresentação do seu programa o que conferiu aspecto mais bombástico às suas declarações. Pouco depois alguns portais jornalísticos da internet já exibiam imagens gravadas do programa contendo as declarações do apresentador. É essa instantaneidade que impressiona, a rapidez do processamento de algo que alguém viu, achou importante, gravou e divulgou. A verdade é que se vive num ambiente cujo teor de grande parte das informações tende à fofoca: é só entrar nos portais da internet para acompanhar o dia-a-dia das celebridades, o que fizeram ou deixaram de fazer, elas também surpreendidas pelo grande olho que tudo vê e divulga para que todos saibam e persigam pessoas.

Esta é uma época de imagens por atacado e privacidade comprometida. O acesso à vida particular seguramente é muito maior que em outros tempos. Por isso, meu amigo, você não está seguro. Veja aí o que anda fazendo, principalmente onde anda fazendo. Se o amigo é dado a esquisitices, cuidado. Vive-se num período em que as mais estranhas teorias têm chance de ser confirmadas, inclusive aquela que prevê um grande e único governo totalitário vigiando todas as pessoas. Claro que isso é um absurdo, mas será mesmo? Pois se há alguns anos me dissessem que haveria um programa de computador que permitiria passeios virtuais a cidades do mundo, eu riria na cara de quem afirmasse isso. Portanto cuidado: um desses carinhas que se vê no Google View, atravessando uma rua, pode ser você. Veja lá o que anda fazendo, o mundo está cheio de olhos que nos vigiam e podem nos comprometer.