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A velocidade das notícias

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A globalização, o desenvolvimento da tecnologia e a verdadeira explosão de canais de comunicação geraram uma situação que se repete diariamente: a produção de notícias por atacado. Se um rapaz rouba uma bicicleta em Xangai corre o risco de, quase em tempo real, as imagens de seu crime serem mostradas em escala mundial. O mesmo acontece com toda sorte de acontecimentos, independentemente das suas naturezas.

A velocidade da produção e divulgação de notícias impede que elas sejam selecionadas; desaparece, portanto, o aspecto hierárquico ligado à importância dos acontecimentos. Na verdade tanto faz: o que importa é a novidade, é sair na frente, noticiar antes dos outros. Do outro lado estão os consumidores que recebem passivamente informações, a maioria delas sem qualquer interesse. Ao consumidor a overdose de notícias torna-se importante porque transfere a ele a falsa sensação de ser pessoa bem informada.

Vivemos na época das notícias por atacado e de gente cabeça feita pela informação. Não importa que a quase totalidade do que se vê e ouve não sirva para nada e nem perdure nas memórias. O que importa é a sensação de velocidade, de estar embarcado num grande trem que dá ao cidadão a idéia de pertencer ao seu tempo, antenado com o mundo em que vive.

Bem pensados os noticiários acabam sendo uma fábrica de robôs. Pessoas robotizadas e imbecilizadas pelas notícias correm o risco de transformar-se em pólos de informações de segunda mão. Inexiste, portanto, a formação do espírito crítico que só nasce da reflexão prolongada, da digestão lenta e segura da informação. É como se participar de uma enorme ceia e perder-se na variedade de pratos oferecidos. Come-se de tudo em detrimento do paladar.

O que está em jogo hoje em dia é o velho e bem conhecido consumo de massa. As grandes redes divulgadoras de noticiais manipulam informações prensando-as num formato de consumo rápido, útil a quem tem pressa e na verdade não está muito interessado. Com isso, perde a cultura, perde a formação intelectual das pessoas.

O que mais assusta é o que acontece aos jovens. Sem padrões anteriores de comparação, habituam-se ao esboço e não ao quadro finalizado. A rapidez da informação descartável dá a eles uma visão distorcida da importância dos acontecimentos. Com tanta coisa para ver, não há tempo para fundamentar-se o hábito da reflexão. Acontece o mesmo com a leitura que é relegada a segundo plano: livros não têm figuras, as palavras não são animadas por efeitos especiais e perde-se tempo demais para ler muitas páginas.

Nada contra a informação, apenas uma reflexão sobre os efeitos nocivos de seu uso abusivo.

Ao meu tio Edésio - notícias sobre o futebol

com um comentário

Escrevo para dar noticias sobre o seu esporte favorito: o futebol.

Em primeiro lugar vou falar sobre o seu time do coração, o São Paulo, que o senhor em momento inspirado apelidou de “Colosso”. Pois o Colosso vai mais ou menos bem, obrigado. Depois de ganhar pela sexta vez o Campeonato Brasileiro, o Colosso se acomodou e deu para perder competições. Foi assim com o Campeonato Paulista e a Taça Libertadores da América. Agora o Colosso está na disputa do Campeonato Brasileiro, mas com tantos altos e baixos que o melhor é não acreditar muito que ele possa vir a ser campeão.

Na verdade, tio, o futebol mudou muito de uns anos para cá. Cada vez mais um grande negócio, o futebol de hoje globalizou-se no pior sentido do termo: os bons jogadores atuam fora de seus países e só se reúnem para jogar pelas seleções nacionais. Posso garantir que o senhor acharia realmente incrível o fato de a Seleção Brasileira entrar em campo, hoje em dia, sem nenhum jogador atuando no Brasil. Pois isso acontece muitas vezes dado que os jogadores estão mais para caixeiros-viajantes de sua arte que atletas de futebol.

Tudo muito diferente, tio, dos bons tempos em que sabíamos as escalações dos times e quem jogava nessa ou naquela posição. E olhe que isso tem afetado até mesmo o amor à camisa: acredite o senhor que, na última Copa do Mundo, o Brasil foi desclassificado e os jogadores saíram de campo como se tivessem participado de um jogo de várzea, alguns muito sorridentes. Atrás deles um país inteiro torcendo e sofrendo. Tio, eu não me envergonho de confessar: quando vi aquilo me senti um grande idiota por ter torcido pelo Brasil. Pode uma coisa dessas?

Mas, voltemos ao Colosso. O grande clube está envolvido com a realização da Copa do Mundo de 2014 que acontecerá aqui no Brasil. O senhor deve se lembrar bem do Morumbi, o campo sagrado dos tricolores. Lembra-se, também, da dureza que foi o período de construção do estádio durante o qual o senhor e outros tricolores fanáticos sofreram muito porque o Colosso não tinha dinheiro para montar um bom time. Anos e anos de luta e sofrimento da torcida resultaram na posse de um grande estádio, orgulho da cidade de São Paulo e palco de jogos memoráveis. Pois agora, o Morumbi é o estádio mais cotado para a realização de jogos da futura Copa do Mundo na cidade de São Paulo.

Entretanto, meu caro tio, não é que um tal Joseph Blatter, presidente da FIFA, deu de falar mal do  Morumbi, dizendo que não serve para a Copa e outras barbaridades? O mais triste é que tem muita gente de outros estados vibrando, o que é inaceitável – trata-se da velha rivalidade. A verdade é que Blatter rebaixou o estádio que tem o apoio do governo do Estado e da prefeitura da capital. Tem gente por aí falando em lobby de outros estados contra São Paulo. No final das contas o que a FIFA diz é que o estádio não tem condições de abrigar 65 mil pessoas e assim por diante. Os dirigentes do Colosso discordam, afirmando que o clube fará a sua lição de casa e atenderá às exigências da FIFA até a realização da Copa.

Aliás, tio, não custa nada contar para o senhor alguma coisa sobre a FIFA. Imagine que essa entidade negociou com “alguém” do governo - que ninguém diz quem é - a isenção total de impostos para patrocinadores, fornecedores, enfim todas as empresas ligadas à realização da Copa do Mundo. Trata-se de muito dinheiro, uma enormidade de negócios. Só que agora o pessoal da Receita Federal, que pelo jeito acaba de saber disso, está se opondo a esse absurdo. Ainda bem.  Imagine o senhor que todos nós aqui damos um duro desgraçado e o governo do país nos impõe uma das mais altas taxas de impostos do mundo. Ai vem para cá essa turma toda e, na cara dura, é favorecida. Pode? O senhor não acha um absurdo?

Pois é. Mas, tio Edésio, isso não é tudo. Veja que tamanha desfaçatez baseia-se numa exigência da FIFA para a realização da Copa no Brasil, exigência essa que foi aceita por “algum negociador” que certamente não agiu sozinho. Esse(s) negociador(res) deve(m) ter até um chefe, tio, embora nisso as coisas não tenham mudado porque “neste pais” ninguém sabe de nada quando a podridão vem à tona.

O que espanta é que a FIFA, presidida pelo tal Blatter (o Havelange deles), não é um negócio pequeno, muito pelo contrário. A entidade movimenta por ano cerca de metade do PIB da Argentina, país que faz parte do G-20, o grupo de países que conversa sobre a economia do mundo. É dinheiro prá caramba que a FIFA movimenta, muito mais que o PIB anual de inúmeros países.

Diante disso tudo, a alegria que resta é a de dar a louca nos jogadores e o Colosso vencer o campeonato deste ano. Se acontecer, prometo escrever contando tudo para que o senhor comemore aí.

Tio Edésio eu raramente escrevo cartas, o senhor sabe como é isso.  Mas hoje me deu vontade de enviar essas mal traçadas.  O senhor nos deixou há muito tempo e o mundo em que vivemos está bem diferente daquele que o senhor conheceu. Mas, não se preocupe: continuo o mesmo cara de sempre, talvez um pouco fora de moda por acreditar em valores que têm sido esquecidos por boa parte das pessoas.

Essas são as notícias aqui da terra que eu queria passar para o senhor que, tenho certeza, continua sendo um grande apaixonado pelo futebol.

Um grande abraço e muita saudade.