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O silêncio dos brasileiros

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Protestos na Síria, na Espanha e até na Inglaterra. Uma onda de protestos corre o mundo ameaçando déspotas, derrubando governos. No Egito Mubarak comparece ao seu julgamento, deitado em maca de hospital. Enquanto isso, no Brasil, reina grande silêncio. Notícias sobre escândalos e corrupção se multiplicam sem que os brasileiros se manifestem. O que há com o povo do Brasil? Por que as pessoas não saem às ruas para defender os seus direitos? Por que não há mobilização popular e não se protesta no Brasil contra a corrupção?

Na verdade o estranhamento em relação ao comportamento dos brasileiros partiu de Juan Arias, correspondente no Brasil do jornal espanhol El Pais. Arias perguntou sobre os indignados do Brasil que não vão às praças para protestar contra a hipocrisia dos políticos, os desmandos e a corrupção. De lá para cá o assunto vem rendendo vários comentários. Estranha-se que um novo governo tenha trocado quatro ministros em pouco mais de seis meses, todos envolvidos em escândalos; que falcatruas ocorridas dentro de ministérios sejam anteriores ao atual governo no qual prosseguiram sem que o governo anterior seja questionado; que os presidentes então em exercício continuem a gozar de imensa aprovação popular como se não lhes coubesse qualquer responsabilidade pela corrupção em seus governos; e por aí afora.

O brasileiro é um povo ordeiro e pacífico. Apático? Desinteressado? Submisso? Acomodado? Cioso de que a vida é boa e não há porque lutar? Nos últimos dias têm surgido na mídia diferentes respostas em relação a esse assunto. A maioria delas, de natureza política, problematiza os anos de governo do PT que teria encontrado terreno fértil para o abestamento popular através do uso de conhecidas técnicas populistas e de endeusamento de líderes. O surgimento de um líder oriundo das massas populares, o tal “um de nós finalmente no poder”, a inegável capacidade de sedução do mesmo líder, a sorte de ter governado num momento de crescimento do país e sem crises, a fácil adaptação dele a ideologias e circunstâncias discrepantes, tudo isso enfim teria gerado um sonho de bonança, prosperidade e esperança capaz de resignar até mesmo a população menos favorecida.

É possível que a explicação contida no parágrafo anterior tenha contribuído para o atual conformismo observado no país. Entretanto, há que se pesquisarem raízes mais profundas para o inconsciente coletivo que dita comportamento tão pacífico. Em primeiro lugar - bem longe dos determinismos racistas com que os estrangeiros procuraram e procuram inferiorizar os brasileiros – é de se perguntar se o grande caldeamento de povos que resultou no povo brasileiro não teria mesclado características que explicariam o atual modo de ação (inação?) coletivo da população. Assunto delicado, nada mais que especulação, mas que não custa ser citado dadas as diferenças étnicas observadas numa população ainda por se definir. Nesse sentido não terão sido em vão os trabalhos que procuram explicar o Brasil e seu povo, mormente aqueles realizados na década de 30 do século passado, em especial os de Gilberto Freyre, Caio Prado Junior e Sergio Buarque de Holanda. Esses e outros intérpretes do Brasil permanecem como fonte inesgotável para o estudo e compreensão das origens e características do povo brasileiro.

Outro aspecto a ser lembrando diz respeito à geração, hoje na faixa de 60 anos de idade, cuja formação se deu nos tempos da ditadura militar instaurada em 1964. Todo esse contingente de pessoas, a partir do qual foram geradas incontáveis famílias, é oriundo de tempos de repressão e silêncio. Não deixa de ser curioso que, além disso, essas pessoas tivessem atrás de si uma geração que conviveu com a ditadura getulista que só veio a terminar em 1945. De modo que para os mais velhos a democracia e o protesto não são tão familiares assim. E dizer que esses brasileiros são os que impulsionaram o país com o seu trabalho nos últimos anos, tantas vezes desiludidos com ideologias que no fundo vieram a abalar suas convicções. Existe, portanto, no Brasil, um hiato de consciências voltadas para o ativismo barrado que foi pela repressão. Este, quando se deu nos anos de chumbo, manifestou-se por meio de ações extremadas para as quais a maioria das pessoas não é talhada. Entretanto, não se deve retirar dessa geração suas mais lídimas participações, como aquela das “Diretas Já” que finalmente fez vibrar e ecoar a voz dos brasileiros de então contra um regime de exceção que já durava demais.

Sejam quais forem as explicações cabíveis para a apatia e conformismo dos brasileiros em relação a desmandos e corrupção, impõe-se a mobilização popular. Basta de “showmícios” nos quais o que mais atrai eleitores é a festa proporcionada por celebridades da música sertaneja. Os brasileiros precisam pensar o país e deixar de ser iludidos por discursos populistas e a desfaçatez dos que se locupletam com o erário público.