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O peso da falhas

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Todo mundo terá falhado em algum momento da vida. Pequenas falhas, grandes falhas, ninguém é perfeito. Há falhas que nos incomodam vida afora. Um grande amigo fora noivo de moça bonita que conhecia desde a infância. Famílias amigas que moravam próximas e se visitavam. O casamento tinha a aprovação dos pais de ambos os lados que viam no acontecimento a ligação de parentesco que tanto desejavam. Marcada a data, vestido de noiva provado, festa organizada, convites entregues, meu amigo entra em crise. Cabeça no travesseiro descobre que a linda noiva não seria sua mulher. No café da manhã comunica a desistência aos pais que se cobrem de vergonha. A noiva não se recupera ao receber a notícia. Desfalece e passa por período de grave depressão. O amigo? Bem, a vida segue. Só que, nas madrugadas, ao acordar, sentia vergonha pela falha. Anos depois - contou-me o amigo - lembrava-se do fato e cobria a cabeça com o cobertor, tanta vergonha sentia. Tomando o vinho ruim que fabricávamos nos tempos difíceis da ditadura, vez ou outra tornava ao assunto da sua grande falha. Ficara marcado pelo resto da vida.

Falhas que cometemos no dia-a-dia ficam circunscritas ao restrito meio em que atuamos. Mas, que dizer de falhas cometidas aos olhos de grandes plateias? Como ficam aqueles que ao falhar expõem-se ao julgamento de pessoas a quem nem mesmo conhece?

Talvez o caso de Paes, goleiro do São Caetano, nos seja útil para pensar sobre a extensão do incômodo de falhas cometidas publicamente. No jogo, contra o São Paulo, o São Caetano precisava apenas de um empate para passar às semifinais do campeonato paulista. Com o empate o São Paulo seria desclassificado. Eis que no meio do segundo tempo, jogo ainda empatado sem gols, Paes sozinho e preparando-se para bater um tiro de meta, distraiu-se e perdeu a bola para um atacante do São Paulo. O lance absurdo resultou no gol do São Paulo e desconjuntou o São Caetano que acabou ainda sofrendo um segundo gol e foi desclassificado.

A falha grotesca e transmitida ao vivo e a cores para todo o país fora injustificável. Jogo terminado, Paes foi entrevistado e disse não saber o que dizer. Entretanto, afirmou nãos saber como olhar para o rosto de sua mulher e filhos quando voltasse à sua casa. Era um homem derrotado e a imagem de sua derrota constrangedora. Mais: disse temer pela segurança de sua família. Não acontecera, no passado, a um jogador da seleção colombiana ser assinado por erro cometido durante partida da Copa do Mundo?

No fim do jogo conversei com um torcedor do São Paulo. Feliz com a vitória e classificação vibrara com o primeiro gol de seu time. Mas, não tanto. Não pudera deixar de sentir pena do goleiro do time adversário. Isso também ouvi de outras pessoas.

A falha humana quando pública pode nos servir como espelho para a nossa própria capacidade de falhar.

Futebol e emoção

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Ontem Santos e Corinthians empataram no Pacaembu. O Santos com um time de jovens arrancou o empate no segundo tempo.

Os jornais noticiaram sobre o famoso jogo, realizado em 1968, entre as duas equipes. Naquela ocasião o Corinthians não vencia o Santos há 11 anos. Eram os tempos em que Pelé vestia a camisa santista. Mas, o Corinthians havia feito contratações importantes, entre elas a Paulo Borges. E, no Corinthians, jogava ninguém menos que o grande Rivelino.

Foi um jogaço. Pacaembu lotado, jogo difícil. Até que, no segundo tempo, Paulo Borges recebeu a bola na esquerda do ataque corintiano e desferiu portentoso chute. A bola balançou as redes santistas e o Pacaembu veio abaixo.

A razão de ser desse texto é justamente o momento do gol de Paulo Borges. Eu era um dos milhares de espectadores daquela memorável partida. Ainda hoje me recordo com clareza do momento em Paulo Borges enviou a bola ao gol do Santos. Mais que isso, o importante é o que aconteceu a seguir. Havia na garganta da torcida corintiana um grito contido durante 11 anos. Esse grito jactou-se com inigualável furor no momento do gol. Tamanho delírio não terei presenciado em nenhuma outra ocasião em que eu compareci a estádios de futebol. Tamanha a loucura que pessoas atiravam ao ar o que tinham nas mãos. Então surgiram as marmitas… Marmitas voando. A gente sofrida que pagava o preço mais baixo das gerais alcançava seu momento de glória. Repito: uma loucura.

Ficaram na memória aqueles momentos de transcendência. O ano era 1968 em cujo final estava nos reservado o AI-5. Eu era um desses estudantes que viera do interior tentar a sorte na capital.

O Corinthians ainda fez o segundo gol, marcado pelo centroavante Flávio. Na volta para casa, dentro do ônibus, muita festa. O tabu havia sido quebrado.