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Funerais

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Aretha Franklin, diva da música cuja voz encantou gerações, faleceu dias atrás. O corpo da grande intérprete foi velado dentro de um caixão de ouro. O enterro será nesta sexta com a presença de personalidades como o ex-presidente Bill Clinton e o cantor Stevie Wonder. O funeral de Aretha aconteceu em Detroit. Por dois dias o corpo da cantora esteve exposto, em seu caixão, para homenagens de seus fãs.

Também faleceu nos EUA o senador John McCain, republicano que concorreu à presidência com Barack Obama, sendo derrotado. De sua grande participação na vida norte-americana destaca-se o fato de ter sido prisioneiro de guerra durante cinco anos no Vietnam, tendo sido torturado. Consta que McCain preparou com assessores o seu funeral. O político deixou uma carta de despedida a seus compatriotas. Eram crescentes as divergências de John McCain em relação ao presidente Donald Trump.

Vida afora compareci a muitos funerais e enterros. Acompanhei pessoas queridas das quais me despedi com muita dor. Não existe, talvez, momento mais cruel que o da constatação da finitude da vida. À beira do jazido fecha-se um ciclo e não só para o morto. Aos que ficam e com ele conviviam abre-se a grande falha da ausência definitiva. Eis um espaço que não mais poderá ser preenchido, exceto pela memória de momentos vividos e passados.

Há muitos e muitos anos faleceu um tio, irmão de minha mãe. Em verdade eu mal o conhecia, dado que não privei de seu convívio. Na ocasião acompanhei minha mãe ao enterro do irmão que morrera. Confesso que poucas vezes a trama da morte terá me impressionado tanto como naquele dia. O que nós desconhecíamos era que o tio professava crença evangélica, de modo que verdadeira multidão de fiéis compareça para acompanha-lo em seu momento final. Estávamos num bairro periférico e pobre. Os fiéis cantavam sem parar, louvando a Deus. Atravessar a multidão e entrar na pequena sala da casa onde se velava o corpo foi verdadeiro suplício. Mas, enfim, eis que estávamos ao lado do caixão no qual jazia o falecido.

Não me recordo de quanto tempo estivemos ali, naquele ambiente apertado no qual se verificava incessante movimento de pessoas que, em fila, despediam-se do falecido. Mas, eis que foi chegada a hora de se fechar o caixão e seguir para o cemitério.

Pois terá sido esse um dos momentos mais emocionantes que presenciei em minha vida. O tio falecido tinha um único filho. Na hora de se fechar o caixão, o filho aproximou-se, envolveu o corpo do pai com os braços e levantou-o do caixão. Despediu-se do pai com emoção que nos contagiou a todos. Nenhum cineasta com os melhores atores lograria reproduzir aquela cena, triste e, entretanto, magnífica, expressão máxima da humanidade de que podem ser capazes os seres humanos.

Há um tempo na vida em que passamos a conviver mais demoradamente com a memória dos mortos. Eles nos visitam. Recordamos de como eram, de situações vividas, de palavras que nos disseram. Tantas saudades.

Escrito por Ayrton Marcondes

31 agosto, 2018 às 1:59 pm

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Houve tempo que eu frequentava cemitérios. O silêncio das alamedas e a observação de lápides parecia-me tranquilizante. Fulano de tal nasceu em 1923 e faleceu em 1959… Como teria sido a vida desse homem cuja foto membros da família estamparam em seu túmulo?

Os mortos não falam, mas são eloquentes. Tantas vezes esquecidos em suas tumbas, permanecem como advertência a nós, os vivos, de que a vida não só é precária como finita. A cada dia passam a fazer parte do mundo dos mortos pessoas surpreendidas pela visita inesperada da morte. Ao homem que es barbeia de manhã e sai para o trabalho no dia em que vai morrer a morte não passa de possibilidade muito remota.

Há cemitérios e cemitérios. Alguns particularmente interessantes. O cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, é majestoso. Ali se encontram mausoléus realmente suntuosos. Turistas visitam o grande cemitério de Buenos Aires diariamente, atraídos pela suntuosidade do lugar.

Na velhice há quem perca o interesse por cemitérios. Talvez o afastamento se dê pela certeza de que, com poucos anos pela frente, o idoso não deseje vivenciar a presença da morte nos cemitérios. O mesmo acontece em relação aos funerais. De repente você constata que seus companheiros de idade devagar vão desparecendo. Fulano morreu, sicrano se foi, serei eu o próximo?

De muitos conhecidos guardo o semblante no último momento antes de se fechar o caixão. São expressões faciais inesquecíveis dado que nunca mais serão vistas. Lembro-me da face de um tio vista no momento quando sobre ele se fechava a tampa do caixão. Pude vê-lo, ainda, de viés no último instante. Essa face sem vida pertence às memórias para mim inesquecíveis.

Cada povo tem suas liturgias em relação à morte. Entre nós os velórios são marcados pelo silêncio e reverência. Os mexicanos encaram a morte de modo mais ameno, festivo. As katrinas mexicanas e as comemorações no dia de finados nos dão conta do modo como o povo do México se relaciona com a morte.

Entretanto, há culturas que nos figuram estranhas. Na China strippers e dançarinas são contratadas para acompanhar féretros. Elas desfilam sobre jipes durante o cortejo que segue aos cemitérios. Há hipóteses para explicar o estranho costume, entre elas a possibilidade de atrair mais acompanhantes o que seria uma honra para o falecido. Entretanto, o Ministério da Cultura tem combatido o hábito classificando-o como “ação não civilizada”.

O mundo é vasto como dizia o poeta. Tão vasto que abriga até mesmo ações que nos parecem estranhas em relação à morte.